Tá lá na capa da Ilustrada da Folha de São Paulo.

01/04/2009 – 08h39
MARCUS PRETO
Colaboração para a Folha

Romulo Fróes, 38, nunca se ouviu no rádio. Espera o dia em que, andando na rua, vá escutar ao acaso a própria voz saindo das caixas de som de alguma loja, dentro da programação normal das emissoras. Apesar disso, “No Chão sem o Chão”, CD duplo que ele lança agora, não gasta nenhum dos seus quase 120 minutos tentando facilitar esse caminho. Ao contrário. Nada em suas 33 faixas segue as “fórmulas infalíveis” das paradas de sucesso.

Ao mesmo tempo em que constrói um dos álbuns mais ousados da música brasileira recente, o autor dos já certeiros “Calado” (2004) e “Cão” (2006) dá um salto artístico particular inacreditável. “Este [novo] disco foi muito influenciado por situações de shows. Como eu tinha que ser ouvido no palco, pluguei a guitarra. Pelo mesmo motivo, os caras do samba que me acompanhavam antes começaram a não ficar mais a fim de tocar comigo. E os do rock se aproximaram.”

Não só os roqueiros. Artistas de várias escolas comparecem no CD, como, entre outros, o pianista André Mehmari, o guitarrista Lanny Gordin, o trompetista Bocato, as pastoras da Velha Guarda da Nenê de Vila Matilde, as cantoras Mariana Aydar e Andreia Dias.

O álbum, aliás, torna mais impalpável a linha entre o Romulo sambista e o Romulo indie, espécie de dupla personalidade apontada pela crítica em trabalhos anteriores. Ele próprio renega os rótulos. “Isso de sambista pegou mal. Não tenho nada a ver com resgate de samba de raiz e acharam que eu fazia parte disso”, conta.

“Por outro lado, essa noção mais comum de artista indie também não combina comigo”, continua. “Todas as minhas influências musicais vêm de dentro do Brasil, de coisas que já foram feitas aqui. O Radiohead não me ensinou absolutamente nada. Nem o Joy Division, que eu amo, nem o New Order.”

Estranheza

De todo modo, “No Chão Sem o Chão” tem menos chances de ser enquadrado na prateleira do samba que na do rock. “Eu tinha composto uns sambinhas tristes, e os caras colocaram guitarra, baixo e bateria”, diz, referindo-se aos músicos Guilherme Held, Fabio Sá e Curumin. “São arranjos de banda em músicas que não foram pensadas praquilo. Tem uns solos que parecem não ter muita função, umas guitarras que não acabam mais. Essa coisa estranha me influenciou na composição das outras músicas.”

E a estranheza do trabalho não está apenas em seu instrumental. As letras, dos artistas plásticos Clima e Nuno Ramos, colaboram muito para essa sensação. Quase sempre herméticas, fazem referências ao samba clássico de Monsueto a Nelson Cavaquinho e até ao tropicalismo.

Dá para notar que os letristas jamais entregam o sentido exato do que querem dizer. Como se estivessem pintando telas, preferem deixar que as palavras sugiram imagens ao ouvinte. Como Fróes, eles parecem não se importar muito com o que vão pensar as estações de rádio.

NO CHÃO SEM O CHÃO
Artista: Romulo Fróes
Lançamento: YB
Quanto: R$ 25 (álbum duplo)
Avaliação: ótimo

Um mês antes de chegar às lojas em sua versão física, o disco “No Chão sem o Chão” já estava disponível para download gratuito em vários blogs dedicados a música brasileira. O álbum, no entanto, não vazou. Foi espalhado propositalmente por seu próprio autor.

“Para viver de música hoje, eu preciso de um público que queira me ver ao vivo. Para chegar a isso, preciso espalhar meu som”, avalia Romulo Fróes. “Rádio e TV não fazem isso. Tenho que aproveitar que a internet faz. É minha única aliada.”

Segundo Fulano Sicrano, pseudônimo do responsável pelo blog de downloads Um que Tenha (www.umquetenha.blogspot.com), os dois volumes de “No Chão sem o Chão” já foram baixados mais de 800 vezes apenas em seu blog.

Romulo diz não temer que os downloads gratuitos se revertam em queda na venda de seu novo discos. “Posso até vender mais, pois meu nome vai circular. Vai ter gente que baixou o disco, gostou, vai me ver ao vivo por isso e compra o CD no show”, diz.

“Nunca um disco meu rendeu tanto comentário antes mesmo de ser lançado, e isso comprova que esses blogs são a melhor forma de um artista nas minhas condições divulgar sua música”, justifica. “Além do mais, disco já não é um objeto comercial nem para o Roberto Carlos. Imagina pra mim.”

Meu amigo querido e designer fora de série Marcelo Pereira diz que eu tenho que ler Vilem Flusser, o filósofo do design, dos artefatos e da era eletrônica. Vilem morreu em 1991 e falou de coisas que estamos vivendo hoje. Pereira está obcecado pelos textos dele e no momento está lendo “O Mundo Codificado”, da Cosacnaify, com prefácio do Rafael Cardoso.

No Wikipedia o texto sobre Vilem é esse:

Nascido na recém independente Tchecoslováquia, de uma família de intelectuais judeus (seu pai era professor universitário de matemática e física), Vilém estudou filosofia na Universidade Carolina, em Praga, entre 1938 e 1939. Naquele ano deixou seu país, com os pais de sua futura mulher, Edith Barth, para viver em Londres. Prosseguiu seus estudos na London School of Economics and Political Science, sem no entanto concluí-los.

Em 1940, seus pais, irmã e avós são mortos em campos de concentração da Alemanha: o pai, em Buchenwald ; os avós, a mãe e a irmã, em Theresienstadt.

No ano seguinte, ele e Edith emigram para o Brasil. No mesmo ano, casam-se no Rio de Janeiro, fixando-se posteriormente em São Paulo(cidade). Durante os primeiros anos, Vilém trabalha em uma empresa pertencente à família do sogro, A IRB – Indústrias Radioeletrônicas do Brasil Ltda. O primeiro dos três filhos do casal nasce em 1943.

Em 1950, naturaliza-se brasileiro.

Entre 1950 e 1951, dedica-se ao projeto de um livro sobre a história intelectual do século XVIII, trabalha como jornalista e ensina filosofia. A partir de 1960 inicia sua colaboração com a Revista Brasileira de Filosofia, editada pelo Instituto Brasileiro de Filosofia (IBF) ambos fundados por Miguel Reale, em São Paulo, aproximando-se de um círculo de intelectuais brasileiros de formação liberal.

Ao longo da década de 1960, leciona Filosofia da Ciência, na Escola Politécnica da USP, e Filosofia da Comunicação, na Escola Superior de Cinema e na Escola de Arte Dramática – EAD, também em São Paulo. Além disso, colabora regularmente com com o Suplemento Literário do jornal O Estado de São Paulo e participa ativamente da vida artística da cidade, colaborando com a Bienal de São Paulo. Publica seu primeiro livro – Língua e realidade em 1963.

Em 1966, inicia sua colaboração com o jornal Frankfurter Allgemeine Zeitung.

Porém, em 1970, quando a reforma universitária agregou todos os professores de filosofia da USP ao Departamento de Filosofia da FFLCH, Flusser, que era professor da Politécnica, não foi recontratado. A hipótese de que sua saída da Universidade tenha sido mais um episódio de repressão política relacionado ao regime militar, vigente na época, não parece provável. A maioria dos membros do Departamento era bastante crítica com relação ao regime, enquanto Flusser era considerado conservador entre seus pares. Aparentemente, a não renovação do seu contrato com a Universidade deveu-se à falta de comprovação de títulos acadêmicos[1].

De todo modo, uma vez excluído da universidade, Vilém deixa o Brasil em 1972 para viver inicialmente na Itália e posteriormente na França e na Alemanha.

Manteve-se bastante ativo até o final de sua vida, escrevendo e ministrando conferências na área de Teoria da Comunicação. Seus trabalhos se concentraram na discussão do pensamento de Heidegger, sendo marcados pelo existencialismo e pela fenomenologia.

Vilém Flusser morreu em acidente de trânsito, ao visitar sua cidade natal, para ministrar uma conferência.

Aqui é possível ler vários textos em português.

Em entrevista no site do Itau Cultural
Por Mariana Sgarioni | Fotos Cia de Foto

Como é possível classificar uma obra de arte? De que maneira essa obra se torna reconhecida? E, afinal de contas, o que pode ser chamado de arte? Por mais que estejam presentes em várias discussões sobre cultura, essas questões dificilmente são respondidas de forma objetiva. “Não espere uma resposta certeira e matemática”, brinca Paulo Sergio Duarte, curador da exposição Rumos Artes Visuais – Trilhas do Desejo, que apresenta, até maio, no Itaú Cultural, em São Paulo, os artistas premiados na edição 2008-2009 do programa.

Além de curador, Duarte é crítico, professor de história da arte e pesquisador do Centro de Estudos Sociais Aplicados da Universidade Candido Mendes, no Rio de Janeiro. Desde 1973, vem se debruçando em leituras e estudos sobre a produção contemporânea. Na época estava radicado em Paris por causa do regime militar brasileiro e escreveu seu primeiro artigo sobre o artista Antonio Dias. A partir daí, publicou livros, deu aulas, e é hoje uma referência no que diz respeito à arte brasileira. Neste mês, lança seu livro, Arte Brasileira Contemporânea – Um Prelúdio (Silvia Roesler Edições de Arte e Plajap), que virá acompanhado de CD-ROM e DVD dirigido por Murilo Salles. “Resolvi explicar a arte para meus amigos engenheiros, advogados e médicos”, diverte-se este bem-humorado paraibano que mora no Rio de Janeiro, referindo-se ao didatismo de sua obra. Com o mesmo bom humor e um caldeirão de referências históricas, Duarte pontua esta entrevista com observações como “a arte deve nos mobilizar, mostrar que somos incompletos, que nos falta alguma coisa. Isso sim é arte”.

O que é ser contemporâneo? Qual é o limite da modernidade?
Há fatores que indicam que certos limites foram alcançados na modernidade. Do ponto de vista moral e ético, há o limite dado por dois fenômenos históricos marcantes: o holocausto e as bombas atômicas sobre Hiroshima e Nagasaki. O holocausto porque nunca antes uma máquina do Estado havia sido colocada a serviço de uma ideologia que pretendia a pureza étnica e que sacrificou 6 milhões de pessoas. O outro limite (o das bombas) é dado quando os Estados Unidos, a maior democracia do mundo, a mais avançada estrutura política e econômica, decidem matar dezenas de milhares de civis em poucos segundos para acabar com a Segunda Guerra. No campo da arte, a maturidade da modernidade se dá logo no início do século XX. Vemos três aspectos completamente diferentes. O primeiro é dado por um sujeito da razão. Ele atua na arte acreditando fortemente nas conquistas da ciência e da técnica e pensa que isso pode resultar num universo mais harmonioso, numa vida melhor. Esse horizonte é marcado pelo movimento construtivista. Um segundo ponto é o sujeito da vontade, que critica esse universo da razão, aponta para a sociedade e mostra que toda a ciência e a técnica não melhoraram a vida. É uma forma de romantismo que se manifesta com muita clareza no predomínio dos valores da existência humana sobre os puramente racionais, e que é muito forte no expressionismo alemão. Essa linha é bastante clara em todo o século XX. Um terceiro aspecto, que tem grande força até hoje, é o sujeito da crítica radical da cultura. Ele aparece na Primeira Guerra, no dadaísmo, que se desdobra no surrealismo. Trata-se de uma clara negação de que os valores racionais governam o ser humano. Para essa corrente, somos governados por forças interiores às quais não temos acesso. É o inconsciente, impregnado pela descoberta freudiana. A questão trazida por Duchamp é tão importante que merece um capítulo à parte. Embora ele atue na crítica radical da cultura, também coloca problemas do ponto de vista cognitivo e até epistemológico da arte. Sua contribuição tem sido subestimada por diversos críticos, mas seu valor é o de colocar limites no que é arte, onde ela termina e onde começa o que não é arte. É preciso uma leitura mais detalhada de Duchamp do que essa que vem sendo feita hoje – colocam-se as conquistas desse artista de uma forma prosaica, quando não, leviana.

Como é possível estabelecer parâmetros de avaliação para a arte?
Toda avaliação estética foi e vai ser um juízo de valor. Se assim é, ela será sempre de natureza subjetiva. Não existem critérios objetivos, nem houve, nem nunca vai haver, para avaliar uma obra de arte, seja ela qual for. O que existem são consensos, que são estabelecidos por uma coletividade que está de acordo com certos valores. Um exemplo: a Nona [sinfonia] de Beethoven. Pode-se tocar essa música no Japão, na África do Sul, no Marrocos, nos Estados Unidos ou no Brasil que sempre vai haver um consenso. Ou seja: grande quantidade de pessoas estará de acordo que aquela música tem valor, agrada, é importante. Antes de escutar aquilo, a pessoa era uma. E, depois de escutar, ela virou outra, percebendo ou não essa mudança. O critério de avaliação é dado, também, pela experiência da arte. Não há outra forma de acesso à arte que não seja fruindo a sua experiência. Posso ter a experiência da queda de um corpo sem me jogar da janela. Mas não posso “fazer” a experiência de uma música, um poema, um romance, uma pintura, uma instalação sem ter fruido aquela experiência. A descrição de um poema não é o poema. A fotografia de uma pintura não é a pintura. A escrita da pauta da música não é a música. Com base na experiência da arte se chega aos consensos. Grande quantidade de pessoas percebe que aquela experiência é importante, que determinada obra é melhor que outra. Existe a possibilidade de demonstrar isso como uma equação matemática? Não. Mas temos valores históricos estabelecidos em padrões que dizem que uma obra é melhor que outra. São critérios subjetivos armazenados numa experiência coletiva. Então, para estabelecer que um trabalho artístico é melhor ou pior que outro, em primeiro lugar é preciso ver a experiência coletiva de um consenso que se reúne em torno de determinadas obras. Essa experiência da arte só se faz pela repetição. Quem vai a uma exposição uma vez por ano não entende de arte. Quem lê um livro de poesia por ano e diz que gosta de poesia não entende desse gênero. Quem gosta de música e não a escuta todo dia por falta de tempo não tem a experiência da música. Pode até gostar, mas não tem a experiência. A repetição é fundamental. Os conceitos se formam pela repetição da experiência. Portanto: não existe critério objetivo, mas existe a possibilidade de reunir consensos em torno de certas questões.

Como o senhor avalia o cenário da arte contemporânea brasileira e como o país se insere no contexto mundial?
A arte contemporânea tem uma história e é um processo que vem desde cinco décadas. A arte brasileira é uma das que têm mais vitalidade no mundo contemporâneo. Ela tem o poder de compreender claramente o seu tempo. Isso se dá numa experiência radical de passagem da modernidade à contemporaneidade, materializada na obra de dois artistas: Lygia Clark e Hélio Oiticica. Há outros desdobramentos positivos nos anos 1970, com obras de Antonio Dias, Waltercio Caldas, Cildo Meireles, Tunga, José Resende e Carmela Gross. São configurações muito poderosas do mundo presente. Isso veio alimentando as gerações mais jovens, sempre estimuladas por eles, que foram elaborando suas próprias questões. O que dificulta uma maior clareza da força da arte contemporânea brasileira é o vazio institucional que o país vive. A produção contemporânea tem presença rarefeita nos principais museus do Brasil. Coisas estão acontecendo, como o Centro de Arte Contemporânea de Inhotim (MG), mas ainda falta um peso, uma densidade. No contexto mundial, está começando a haver um reconhecimento, artistas brasileiros estão sendo citados em bibliografias internacionais do universo acadêmico. Hoje já existe um importante acervo brasileiro lá fora. A aquisição da coleção Adolpho Leirner [pelo Museum of Fine Arts, Houston, Estados Unidos] é significativa, e um artista vivo e atuante como Cildo Meireles ter uma exposição retrospectiva na Tate Modern, Londres [encerrada em janeiro], é um reconhecimento da contribuição dessa arte contemporânea. Duas obras que estão entre as melhores de arte contemporânea que vi nos últimos tempos são de artistas brasileiros: a instalação de Tunga A Luz de Dois Mundos, no Louvre, Paris, em 2005, e Babel, de Meireles, na Tate. São obras que representam o melhor que existe em arte e política nos dias de hoje: não são panfletárias, são indiretas, com uma crítica contundente à situação do mundo atual.

É possível identificar alguma particularidade da arte contemporânea brasileira no plano global?
Tenho certa dificuldade de indicar traços tipicamente brasileiros na arte mais atual. Existe até um esforço, há gente rastreando isso. Uma das recentes teorias seria a da improvisação, a capacidade de improvisar. Mas isso não é bem brasileiro, é de todo o terceiro mundo. Ocorre em todo lugar, não é uma exclusividade nossa. A “arte da gambiarra”, como se diz, é apontada como uma característica nacional. Eu não acho. Os grandes artistas brasileiros, aliás, não se caracterizam por essa improvisação. Há muito cálculo, estudo. Creio que é brasileiro porque é feito aqui, só por isso.

[entenda o que é gambiarra lendo o Glossário realizado pelo crítico Guy Amado para esta edição]

Qual o caminho que essa arte aponta?
Não tenho capacidade para apontar nenhum horizonte. Mas acredito que haja alguns fenômenos negativos, entre eles a questão do mercado. Quando a arte se torna uma commodity, ela é exemplo da mercadoria por excelência, passa a se constituir como um atrativo diferente do que era antes, quando era somente uma produção de conhecimento que não se podia ter por meio da ciência nem da religião. Quando passa a ser um símbolo de vigor e poder de um tipo de sociedade, ela vira a mercadoria maior. Em segundo lugar, há uma entrada muito forte do universo da arte na indústria do lazer e do entretenimento, coisa que não existia antes. Os museus não eram projetados como são agora: a Tate Modern esperava no primeiro ano de funcionamento 1 milhão de visitantes. Teve 5 milhões. Quando se chega a esses números, evidentemente a arte passa a ocupar um lugar diferente do que ocupava antes. Isso traz coisas muito positivas e muito negativas. Uma das positivas é a dessacralização: vai-se a uma exposição como quem liga o rádio em casa. O lado negativo é que essa massificação não implica a realização da experiência da arte, que falei anteriormente. O fato de passar em frente da Mona Lisa não quer dizer que você a viu. É preciso uma retomada da arte como um conhecimento que só ela pode nos dar. Não sei onde vai dar isso. Sinto-me tão perdido quanto qualquer leigo diante do horizonte contemporâneo do mundo.

Mas existem tendências…
Sim, claro. O que vemos agora, por exemplo, é o império da imagem. Seja fixa ou em movimento. Daí o peso enorme da fotografia e do vídeo na arte contemporânea. São veículos imagéticos que a pessoa olha e se identifica imediatamente. Esse império herdado do mundo da publicidade, da indústria da comunicação, é uma tendência evidente. Outra coisa que é muito clara é a vocação para o espetáculo, para o espetacular. Não há como deixar de ver certas coisas. O artista cria uma escultura de 15 metros de altura, o público se mobiliza para vê-la, lógico. Uma queda-d’água numa cabaninha, que se tem de olhar através de um orifício, é uma coisa. Mas uma cachoeira inteira no Rio Hudson, que custou 20 milhões de dólares, faz com que seja inevitável que vejam aquilo, vai chamar atenção. Há, ainda, uma inteligência cromática característica. O Brasil é herdeiro de uma tradição recente, mas muito rica, materializada nas obras de Volpi, uma grande inteligência cromática. As paletas de hoje são mais decididas, cores que vacilam menos. Em compensação, perdem em sutilezas e nuances. São cores afirmativas, vêm da experiência cotidiana, do monitor da televisão, do outdoor publicitário. Isso gera outra percepção.

E a tecnologia, também não é uma tendência?
É inevitável que um garoto formado no universo digital, que jogue videogame diariamente, ao se tornar artista, transporte essa experiência perceptiva para a obra. São experiências acústicas, sonoras e visuais que ele teve na infância. Isso não muda em nada o que temos que exigir de uma obra de arte: de que maneira aquele objeto altera a minha experiência depois que eu o experimento. O que aquilo me mobiliza, o que anuncia, o que me falta. Muitas vezes o papel da obra de arte é apontar algo que falta em mim mesmo. A obra não vai me preencher, mas apontar que não estou completo, pois sequer eu imaginava que essa experiência seria possível. Ou seja, não sou completo como pensava que era. Estou cheio de vazios e a obra está lá para mostrá-los. A graça da arte é apontar para nossas incompletudes e isso independe do meio: pode ser uma estátua de mármore grega ou um jogo de videogame. Se tiver força poética, a obra vai permitir essa experiência.

Eu vi na sessão de ontem.
É excelente, emocionante, super bem editado, um puta som e extraordinário trabalho de motion graphics do Pereira, Luke e Juliana. É tecnicamente impecável e coisa e tal mas nada disso tem importância perto da grandiosidade do personagem. O que vale mesmo é estar mais próximo da grande figura e do extraordinário artista. Miltinho merece um longa, um site, uma série para tv, livro etc. A bola tá contigo Andre. PARABENS pelo filme.


em 16 de março no excelente blog dele chamado outras considerações.

CHUVA, SUOR E CERVEJA

No meio do temporal, dentro do táxi, toca o telefone. Chamada restrita. Assim mesmo eu atendo:

– Sim?
– Sabe quem está falando?
– Deixa eu ver, nessas horas…Deus, provavelmente…
– Como adivinhou?
– Quem é vivo sempre aparece.
– Tá curtindo a chuva?
– Se eu estivesse fora do táxi, poderia até curtir mas…
– Quer que eu dê um jeito nisso?
– Não! Não! Não! Aqui tá ótimo. É que vendo daqui da janela, as pessoas estão ensopadas e parecem não se importar.
– E você sabe que a voz do povo é a minha voz.
– Sei. Haha. Também, Mestre, vamo combinar…tava um calor inacreditável.
– Acredite.
– Bem, vindo do Senhor, eu acredito. Mas a que devo a honra?
– E os raios? E os trovões? Tá maneiro?
– Um pouco assustadores…
– Rapaz, eu não devia, mas vou te revelar um segredo…
– Fala, véio…
– É minha câmera nova…Sony DSC-H10, Zoom Óptico 10x, 8.1 MP…que disparou o flash aqui e não sei como parar…
– Cadê o manual?
– Não consigo achar…algum Judas deve ter pego…
– Bom, esse modelo, acho que é meio antigo…
– Antigo nada! Parcelei em sete vezes, pra descansar no oitavo…daí…
– Mestre, só um instantinho que aqui na Primeiro de Março, centro da cidade, o momento é tenso…
– Eu sei.
– Eu sei que o Senhor sabe…acho que vi um tronco de árvore boiando…Ou foi um corpo?
– Ah, não…Não é nada…é só uma marolinha…
– Já ouvi essa frase em algum lugar.
– Achei que você estivesse falando do Choque de Ordem.
– Pois é…pensei até em uma piadinha sobre isso e o temporal…
– Ah, não conta não que é sem graça…
– O Senhor acha?
– “Choque de Ordem de verdade é quando a pessoa é atingida por um raio”? Valha-me eu!
– Nesses momentos que eu gostaria de encontrar a sua inspiração.
– Veja você…Outro dia, eu alcancei minha própria inspiração e fiz sabe o que?
– E eu lá sou o Senhor pra saber?
– Entrei pro Facebook.
– Amém.
– Mas eu tô com uma dúvida pra saber qual foto que eu ponho no perfil…por isso que eu decidi tirar essas fotos, pra ver se eu me decido por alguma.
– Com quem o Senhor parece?
– Assim de imagem e semelhança? Saca o Nelson Rodrigues Filho?
– Hmmm. Então estou no caminho certo.
– Tá pensando que é Deus?
– Algum parâmetro eu tenho que ter, meu Pai.
– E como estão as coisas?
– Achei que o Senhor soubesse…
– Eu sei. Mas eu gosto de ouvir também.
– Bem, se amanhã der sol, se o Senhor quiser…devo sair pra andar na praia. O resto do dia devo ficar ao que Você, digo, o Senhor dará…
– Tá fumando? Tá bebendo?
– Mais do que mereço, menos do que devia.
– Sua cabeça é seu Guia.
– E essa chuva não para não?
– Não pára não pára não pára…
– O Senhor também foi no bloco do Roberto Carlos neste carnaval?
– Esqueceu que estou em todos os lugares?
– Até no show do Daniel?!
– Você joga pesado…
– Pilherias certamente…
– Amizade, vou nessa. Fique comigo.
– Axé. Sua bença.
– Eu te abençoe.

Haroldo não é parente não. É amigo da Malu e do Fred, ouvi dizer que fundou o Digital Dubs e a Festa Phunk, escreve pros Cassetas e Planeta e coisa e tal.

O blog dele já está devidamente assinado no meu Google Reader e também aqui na barra lateral de links. Música, humor, crônicas, ficção, informação etc. Visita obrigatória.

Na quinta o Gustavo Mini postou a terceira parte do texto A mente & os protocolos da cultura digital. Coloquei aí embaixo para facilitar a vida dos mais preguiçosos mas recomendo um pulo lá no Conector para ler a primeira parte também.

Esse papo todo, estou chegando à conclusão, é coisa de migrante digital. Saca migrante digital? É um conceito que vi numa palestra (não lembro de quem, não lembro qual) que dividia as pessoas em migrantes e nativos digitais. Os nativos nasceram e cresceram com as internet e as tecnologias móveis já implementadas, enquanto que nós, os migrantes, começamos a lidar com isso depois dos 20 anos.

Fato: a maior parte dos migrantes digitais “fala” com sotaque. E estranha a maior parte dos novos protocolos de comunicação, por mais que adote e curta muitos deles. É o que o Bruno Natal comentou há algumas semanas, no post A Geração do Meio.

***

Bom, estou tentando retomar o meu eixo de pensamento. Não é meu objetivo, ao escrever esses posts, refletir sobre as dificuldades que certas pessoas tem com novos gadgets e muito menos criticar comportamentos surgidos da popularização da tecnologia. Não, não… o que eu acho interessante é como estamos mandando pra dentro da mente os protocolos da cultura digital. Que é algo que não começou a acontecer ontem. Nos comentários, alguém trouxe à tona a idéia de ciborgues, de junção do corpo humano com aparelhos. Embora isso não esteja rolando da forma cool como acontece nos filmes, a verdade é que toda vez que o ser humano começa a conviver mais intensamente com uma máquina, a simbiose acontece. O automóvel é o melhor exemplo: ao entrarmos dentro dele, nos vestimos de automóvel e agimos como automóvel. Andamos como automóvel, falamos a língua dos automóveis (composta basicamente por buzina, reclamação e xingamentos) nos restringindo às áreas dos automóveis, ou ao menos às que é possível um automóvel entrar. Não subimos escadas com automóvel, por exemplo. A identidade do automóvel passa a compor a nossa identidade temporariamente. Esse exemplo do automóvel não é meu, tirei de um texto do Lama Padma Samtem.

Assim acontece com tudo. Os objetos que utilizamos compõem nossa identidade e passamos a agir de acordo com essa nova identidade, olhando o mundo de outra forma. Exemplo clássico: de celular na orelha, falando com um amigo, automaticamente a rua vira uma cabine telefônica. Não é mais rua, é um espaço íntimo expandido que faz parte da conversa (sim, mesmo as pessoas “educadas” fazem isso). E assim por diante.

Olha, na real acho que me perdi na curva. Antes que alguém me acuse a) de estar fumando maconha ou b) de estar meramente regurgitando um monte de clichês de teorias pós-modernas (sendo que eu não conheço nenhuma delas formalmente, mea academica ignorância), tento de novo trazer o eixo da idéia inicial e fazer um rápido fechamento antes que isso tudo vire um grande fiasco.

1. Nossa identidade é um fluxo contínuo de fenômenos impermanentes (um corpo, sensações, percepções, conceitos e uma consciência, todos elementos se modificando a cada instante) que ganha sentido graças a uma narrativa que criamos, contamos e recriamos a cada interação com o mundo (ou com nosso inquieto fluxo de pensamentos).

2. A forma de contarmos e absorvermos histórias vem mudando significativamente com a digitalização da produção, distribuição e consumo de conteúdo.

3. Uma vez que nossas narrativas “interiores” são altamente influenciadas pela nossa interação com narrativas “exteriores” (contos de fadas, pinturas, cinema, romance), a introdução de fundamentos de transmedia storytelling (narrativas fragmentadas cujo sentido completo está na intersecção de diversas mídias) em larga escala…

4. … vai invariavelmente afetar a forma como as pessoas lidam com as identidades, adquirindo novas habilidades, especialmente no que diz respeito a fragmentar e reconstruir suas narrativas pessoais (como se faz em um universo transmedia) devido ao contato continuado com interfaces digitais e uso intenso de uma variedade cada vez maior de meios de produção, distribuição e consumo de conteúdo digital.

5. O Henry Jenkins já citou a necessidade de ter críticos de arte que possam fazer, digamos, resenhas de universos transmedia (e não crítico de “cinema”, “quadrinhos”, “TV”). Da mesma forma, vamos ter terapeutas, por exemplo, ferramentados para lidar com essa nova forma de construção de identidades?

Algo assim. AAAAAH. Chega!

O mundo grita de dor porque entra em trabalho de parto. Mesmo sob sérios riscos, devemos inventar novas relações entre os homens e a totalidade do que condiciona a vida: planeta inerte, clima, espécies vivas, visíveis e invisíveis, ciências e técnicas, comunidade global, moral e política, educação e saúde… Trocamos nosso mundo por outros mundos possíveis, e deveremos abandonar inumeráveis paixões, idéias, hábitos e normas que inspiraram nossa breve duração histórica. Penetramos num ramo evolutivo.

Em eras precedentes, nenhum saber teve necessidade de conceber nem conduzir projetos tão vitais: reinventar a universalidade do indivíduo, reconfigurar seu habitat e tecer novas relações. Por ter de repensar tudo, a filosofia modifica seu alcance explicativo e assiste ao crescimento de sua responsabilidade. Ou aparecerá um novo homem, um cidadão do mundo, ou a humanidade estará ameaçada. Devemos estabelecer a paz entre nós para salvaguardar o mundo e a paz com o mundo para nos salvar.

Assim começa o livro Ramos de Michel Serres que Fred Coelho acaba de me presentear.

Na quarta capa o texto é o seguinte:

Do que temos medo hoje em dia? Das novidades? De ter de enfrentar dificuldades brutais?

Desde seu advento, o Universo, os seres vivos e os homens criaram incessantemente leis necessárias e acontecimentos imprevisíveis. Para Michel Serres, a novidade surge do formato, assim como o ramo brota do caule. Falível e inventivo, o Filho origina-se do Pai, que dita os dogmas e as leis.

Obra de reconciliação, Ramos propoê uma estimulante releitura da história do pensamento na qual confluem, enfim, ciências, culturas, artes e religiões.

Celebração da vida e mensagem de esperança para as gerações futuras, este livro ajuda a compreender e amar a inquietude do presente.

E na orelha:
Originalmente publicado em 2004, Ramos é o quarto volume da tetralogia formada pelos títulos Variações sobre o corpo (1999), Hominescências (2001) e O incandescente (2003). A partir da constatação de que é urgente reinventar a universalidade das relações dos homens com a totalidade planetária, Serres nos incita a repensar o cotidiano sem distinções entre ciências, artes, culturas e religiões tão ao gosto do dispositivo cartesiano que comanda os saberes contemporâneos…

TÍTULO: RAMOS
TÍTULO ORIGINAL: RAMEAUX
IDIOMA: Português.
ENCADERNAÇÃO: Brochura | Formato: 14 x 21 | 224 págs.
ANO DA OBRA/COPYRIGHT: 2004
ANO EDIÇÃO: 2008
AUTOR: Michel Serres
TRADUTOR: Edgard de Assis Carvalho | Mariza Perassi Bosco

Peguei isso la no site do ministério e acabei descobrindo o blog da reforma da lei Rouanet.

Apoio no Senado

Os senadores da Comissão de Educação, Cultura e Esporte avaliaram positivamente as propostas da nova Lei de Fomento colocada em consulta pública pelo Ministério da Cultura. O ministro Juca Ferreira foi aplaudido pelos parlamentares após fazer uma apresentação da proposta, na manhã desta quarta-feira, 25 de março, em Brasília.

Juca Ferreira foi o primeiro ministro a fazer uma exposição das prioridades do Governo Federal para as áreas de interesse da Comissão (ainda irão ao Senado Federal os titulares da Educação e do Esporte). Ele falou sobre a necessidade do fortalecimento do Fundo Nacional de Cultura, da modernização do Direito Autoral e da aprovação do Projeto de Lei do Plano Nacional de Cultura, que está em tramitação no Congresso Nacional.

Ao defender a proposta de mudança da legislação de incentivo à Cultura, o ministro Juca Ferreira ressaltou a distorção do atual mecanismo de renúncia fiscal. “Ele não é capaz de dar um atendimento eficaz ao conjunto das atividades culturais. Concentra a produção cultural brasileira e aprofunda o abismo social, na medida em que previlegia as atividades culturais ligadas à parcela de brasileiros com o maior poder aquisitivo. Nós não somos contra o mecanismo da renúncia, mas ele deve ser um mecanismo de critério de política pública, de transparência e impessoalidade que garanta o desenvolvimento cultural de todo o território brasileiro.”

segue aqui

At the booth of Galerie Haas & Fischer at VOLTA New York, artist Joshua Callaghan presented his new work The 100 Year Anniversary Commemorative Ford Model-T Lamp and Alarm Clock. The Model T (colloquially known as the Tin Lizzie and Flivver) was an automobile produced by Henry Ford’s Ford Motor Company from 1908 through 1927. It is generally regarded as the first affordable automobile, made possible by the innovation of assembly line production.

To celebrate the 100 Anniversary of this event, Joshua Callaghan constructed a vehicle out of Victorian style domestic objects, lamps and furniture. The primary material is brass and brass plated faux antiques.

In this video Joshua Callaghan talks about why and how he created the piece, the impact the Ford Model T and the car industry had – and still have – on peoples lives and the ambivalent approach towards cars as both fascinating and frightening objects.

“This technological revolution essentially created the culture of auto-based civic planning and the nightmare of suburban sprawl that most Americans today call home. In the hundred years since the Model-T was first produced, America has created a road and highway infrastructure which dwarfs any other project in human history. We have become obedient servants to the cars and their habitat, which we build, maintain, and timidly share. The cars have domesticated us.” (Excerpt from the press release).

la no sitevernissage.tv.

Gustavo Mini escreveu lá no blog dele Conector

A mente & os protocolos da cultura digital (2)

Se o ser humano se reprograma por repetição e contexto, o acesso diário (repetição) no Twitter ou no Facebook (contexto) sem dúvida deixa marcas na mente. Não vou nem entrar no assunto do cérebro, a neuroplastia e muito menos criar exóticos sub-factóides dizendo que quem acessa o Twitter todos os dias só vai saber se expressar em até 140 caracteres, mas com certeza estamos vivenciando algum tipo de troca entre nossa mente e as interfaces que utilizamos de forma mais intensa.

A construção da identidade do indivíduo pré era digital não se limitava, obviamente, a suas atividades psicológicas e sempre incluiu relação com objetos e aparelhos. Mas quando um número considerável de horas da nossa semana é passada preenchendo pequenos formulários ou tentando condensar nossos dramas e comédias em mensagens rápidas entremeadas de gifs animados dentro de caixinhas flutuantes e piscantes, precisamos admitir que estamos transformando nossas narrativas internas em experiências vivas de transmedia storytelling.

Isso implica na lenta construção de um novo alfabeto psicológico, mais complexo, espalhado, fragmentado e, acima de tudo, ligado a interfaces que nos levam a narrar nossos pensamentos e sentimentos de uma forma ainda não experimentada na história humana. Não é raro, por exemplo, uma discussão entre casal ou uma conversa entre amigos começar ao vivo, continuar por email, atravessar uma tarde no msn (entrecortada por uma série de outras atividades) e se desenvolver em frases cifradas de Fotolog ou mensagens de SMS.

Para fazer o eixo narrativo desse papo ter sentido (se é que algum dia ele fez ou vai fazer), é preciso preciso saber comunicar o que você está sentindo ou pensando em meia dúzia diferente de linguagens (o que acaba configurando uma única linguagem fragmentada e fluída). Nesse contexto, um mísero gif animado condensado em alguns pixels pode comunicar uma montanha de sentimentos complexos – com maior ou menos sucesso, dependendo da conexão entre as duas pessoas. Aquele smile estava sorrindo com alegria genuína ou com o mais puro sarcasmo? Quem decide?

Não tenho dúvida que a maior parte das pessoas está desenvolvendo um novo talento (o MIT chama de New Media Literacies) ao disparar em um único dia uma dúzia de mensagens de SMS para pessoas diferentes com diferentes conteúdos, tons e significados, todos dentro de um frame muito rigoroso formado por um número limitado de caracteres e uma interface gráfica ainda bastante rudimentar. No fundo, estamos aprendendo a tirar leite de pedra e não é pra menos que tanto rolo aconteça devido a mal entendidos em scraps e comments por aí na vida.

Tá, mas e daí? Não sei. Continuo no próximo post.

Coloquei esse comentário abaixo la no blog dele.

Há tempos venho pensando que Rio e SP devem ser entendidas como 2 cidades complementares e seus textos apesar de apontarem as diferenças são uma oportunidade para refletirmos essa complementaridade.

Se São Paulo é a locomotiva do país o Rio é o vagão restaurante (eu quero um lugar na janela). São Paulo é bom para trabalhar e o Rio é bom para passear (um balneário parado no tempo). São 2 cidades que distam 400 e poucos km e hoje em dia isso é quase nada (há grandes metropoles antagônicas com tanta proximidade no planeta?). 40 minutos de voo, 4h30 de carro sem parar, 5h30 de onibus e infelizmente ainda não há um trem rápido. Com celular ou computador portátil, skype, videoconferencia etc pouco importa onde você se encontra. O grande barato é usar as 2 cidades como sendo uma só.

Se SP do Fasano, Céu, Hurtmold, Oficina, Titãs, Racionais, Tiê, Mariana Aidar e outros mais te animam não podemos esquecer a força da atual produção carioca. Alguns exemplos:
– os 400 blocos que brilharam na cidade apontando uma nova direção para o carnaval de rua que cresce a cada ano.
– a linda e fantástica geração de músicos que mistura Hermanos, Orquestra Imperial, Nina Becker, Do Amor, + 2, Autoramas, Canastra, Nervoso, Moptop, Jonas Sá, Binário, Fino Coletivo, João Brasil, Lucas Santtana, Supercordas, Momo, B Negão, Black Alien, The Twelves, Lettuce, Monobloco etc
– a nova cena do samba com Casuarina, Diogo Nogueira, Mart’nália, Edu Krieger, Moyseis Marques, Nicolas Krassik, Ana Costa, Nilze Carvalho, Empolga as 9, Bangalafumenga
– as festas e djs com Digital Dubs, Phunk!, Nepal, Moo, Calzone, Combo, Paradiso, Little Black is Fuck, Black Friday, Febre, Dancing Cheeta, Soul baby Soul, Ronca-Ronca, Maldita e muitas outras apenas na Zona Sul (importante destacar que os DJs e produtores envolvidos são, em sua ampla maioria, amadores que inventaram seus ofícios na prática, na experiência de dar uma festa. Antropólogos, Fotógrafos, Jornalistas, Historiadores, Artistas Plásticos, Curadores, Escritores, Atores, vários profissionais de outras áreas mergulharam de cabeça nessa cena, produzindo um espaço de invenção musical e encontros a cada noite na cidade.)
– os numerosos bailes funks que Hermano conhece melhor do que todos nós
– as centenas de atelies de artes plásticas espalhados pela cidade que ainda não dialogam com a populaçao mas que se implementado um programa de interface com o público poderá criar uma mediação viva e nova (diferente da relação comercial das galerias e da museologia mofada dos museus).
– a rapaziada que está preparando a revista Atual (nome provisório) capitaneados por Sergio Cohn (da Azougue) e Fred Coelho.
– os incontáveis blogs de reflexão, diversão e informação.
– a sede da Companhia Debora Colker na Glória formando profissionais e divertindo amadores. A Cia dos Atores do Enrique Diaz, Cesar, Olinto etc na Lapa com seus ensaios, peças e atividades.

Não falo do cinema, da televisão, de literatura e outras áreas por falta de intimidade mas deixo aqui a bola quicando para os demais cariocas.

Penso que o Rio está repleto de artistas que querem pensar novas relações entre arte, cidade e cidadania. Está na hora dessa gente bronzeada meter a mão na massa e inventar um futuro melhor. Falta articulação e muitas outras coisas mas há uma produção cultural fantástica e singular embaixo da nossa cara.

abracos gerais do
Raul (aguardando, aqui no blog, a chegada do disco novo)

PS:
Tem uma coisa que tenho pensado também que faz toda a diferença hoje entre a cena cultural do Rio e SP. Lá os paulistas tiveram na figura do sr Danilo Miranda do SESC um verdadeiro reitor de uma universidade informal e invisivel de produção cultural com seu rigor e exigencias mil. Por alí passaram centenas de profissionais aprendendo o que é arte e seu papel tranformador, o respeito ao público e ao artista. Hoje são esses profissionais que tocam a vida cultural em SP. Aqui no Rio nos faltou uma referência a mesma altura e o bundalelismo prevaleceu. Ninguem paga, ninguem recebe, todos são conhecidos e amigos e não há hora certa para começar nem acabar nada.

O Rio era a capital federal. Era a cidade de todos os brasileiros. Luiz Fernando Veríssimo escreveu que, quando menino, vinha ao Rio de avião e, ao fazer escala em São Paulo, se perguntava: que cidade estranha é essa? A revista O Cruzeiro, os filmes da Atlântida, a Rádio Nacional – tudo confirmava a centralidade do Rio. Carlinhos, filho de Edith do Prato e meu irmão de leite, repetia que conhecer o Rio era seu maior sonho. Tínhamos intimidade com os nomes dos acidentes geográficos e dos endereços do Rio. As marchinhas e sambas de carnaval eram todos cariocas. As celebridades pop e as eminências intelectuais viviam no Rio. As gírias vinham de lá. O samba, que aprendêramos que “nasceu na Bahia”, tinha se tornado nacional ao virar carioca. Nossos sotaques eram caricaturados pelos humoristas do Rio – e nós ouvíamos o modo de falar dos cariocas como um modelo para locutores e cantores, sem que o ressentimento fosse maior do que a admiração. Portanto, chegar ao Rio não era chegar a um lugar estranho, mas ao centro do nosso próprio lugar. Tenho 66 anos. Na minha infância e na minha mocidade era assim. Hoje, não apenas admito que isso mudou: orgulho-me de ter contribuído ativa e conscientemente para apressar e aprofundar essa mudança. …

Caetano colocou 2 posts falando sobre Rio e SP lá no Obra e progresso. Vale conferir.

Pena Schmidt foi executivo, diretor e produtor de gravadoras mulltinacionais (esteve na warner à época do advento de titãs, ira!, ultraje a rigor e outros), foi também dono do selo independente tinitus e presidente de associação de gravadoras independentes. Como diretor de palco atuou em grandes festivais de música. Atualmente é diretor do auditório Ibirapuera em SP.

No blog do Pedro Alexandre Sanches tem uma entrevista sensacional com o sujeito.




Cópia ou plágio? era o nome metido a engraçado de uma coluna para uma revista na década de 90 que nunca foi publicada. A idéia era reunir sempre 2 obras muito semelhantes, destrinchar as diferenças e semelhanças e eventualmente bater um papo com os autores. Não acredito em plágio e cópia em trabalhos de arte, quando um aparece o outro desaparece, ou seja, ou é plágio/cópia ou é arte. Há muita coincidência, homenagens, referências, influências e picaretagem na praça. O desafio é saber identificar o que é o que.

Nesse caso entre Lucia Koch (imagens abaixo) e Nicolás Robbio (acima) é pura coincidência mesmo, ambos são grandes artistas e trabalham na mesma cidade. Um único texto poderia servir para apresentar as obras de ambos… São imagens efêmeras construidas com sombras ou luzes, fechamentos e aberturas definindo objetos que não existem. Falsas janelas sem matéria. E por aí vai. Vou tentar entrevistá-los aqui no bRog.

Aqui e aqui você pode ler os outros 2 posts da seção Cópia ou plágio?







E lá no site deles eu peguei o texto abaixo.

A PHUNK! volta de férias da melhor maneira possível: em lugar novo e no Centro do Rio, bairro que mais se identifica com a proposta da festa e com o público da PHUNK!A Gafieira Elite, inaugurada em 17 de julho de 1930 como Clube Elite, será a nova residência da PHUNK! em 2009. O lugar histórico já foi residência de autoridades no séc.19 e em seus primeiros anos de existência a então Gafieira Elite recebia a visita das pessoas mais importantes do meio artístico da época, com destaque para Grande Otelo, Pixinguinha, Mário Lago, Ari Barroso, Cartola, Elizeth Cardoso, Zé Ketti, Moreira da Silva, entre muitos outros. Será neste clima que os DJs Artur Miró, Coisa Fina e Saens Peña mais os VJs Simpla e Timba e o trompetista Pedro Selector vão encarar o ano de 2009 (o oitavo ano de existência da PHUNK!) depois de 4 edições de verão na Roda Rio 2016. Juntos, eles promovem um baile audio-visual inovador, com imagens exclusivas no telão e sons dançantes que emanam das caixas de som, geralmente denominados como “grooves” (ou “música boa para se dançar”).

A festa PHUNK! não é black music! Ela é mais… muito mais!!!

Sábado, 21 de março, a partir das 23hrs.
Comemorando o retorno da festa ao Centro do Rio!

DJs Saens Peña, Artur Miró e Coisa Fina (grooves e mais grooves) + VJs Simpla e Timba + Pedro Selector (trumpete)

@
Gafieira Elite
Rua Frei Caneca, 04 – Centro (em frente ao Campo de Santana)
Tel. 21-2232-3217 : infos: festaphunk@hotmail.comPreços: R$ 20 (para os 600 primeiros) / R$ 15 (meia-entrada)
(http://www.festaphunk.com)

Proibido para menores de 18 anos

Divulgação: Joca Vidal

Produção: Jacqueline Martins

Mais informações sobre o livro que eu

peguei lá no Não Zero do Juliano Spyer.

Mais um livro está saindo do forno. E, dessa vez, um livro 100% Web, integralmente disponibilizado em PDF e também por um site para leitores debaterem e conversarem entre si e com os autores sobre assuntos de interesse comum. O livro é uma coletânea e se chama Para entender a internet – Noções, práticas e desafios da comunicação em rede – ao lado, a capa. Participam 38 autores, todos eles protagonistas brasileiros em seus campos de atuação.

Apesar de terem sido produzidos pensando no leitor com pouca familiaridade com a Web, os textos vão além das simplificações e dos modismos para, ao mesmo tempo, ensinar e provocar. E os autores têm intimidade com o assunto para fazer isso. Por exemplo, Edney Souza, o Interney, um dos blogueiros mais conhecidos do Brasil hoje, é quem escreve sobre blog. Soninha Francine, vereadora, atual sub-prefeita em São Paulo, escreve sobre internet e lei eleitoral. Fábio Seixas, um dos brasileiros mais seguidos no Twitter, fez o texto sobre micro-blogging. Sérgio Amadeu, ativista combativo do software livre, escreve sobre pirataria online. Ronaldo Lemos, um dos ativistas brasileiros mais conhecidos e respeitados internacionalmente, explica o que é o Creative Commons. E por aí vai a lista.

Muitas pessoas ainda sentem que a tal revolução trazida pela Web é uma festa para a qual eles não foram convidados. Muitos professores de escolas públicas e privadas, empreendedores, executivos, comunicadores, administradores públicos e uma boa parte da sociedade civil não entendem o motivo de tanta euforia em relação à internet. Esse livro pretende ser um convite para que elas entrem e participem da festa.

Para chegar a essas pessoas sem contar com os meios tradicionais de divulgação e distribuição, o jeito é usar a rede. E é por isso o arquivo em PDF do livro tem menos de 1000k – para caber em uma mensagem de email – e é por isso também que o lançamento deste livro não será em uma livraria e nem em outro espaço físico, mas online, pelo Twitter.

Resumindo, nesta terça (dia 17), às 18 horas (horário de Brasília) vou disponibilizar pelo Twitter o link para o site e para fazer o download do livro. Naturalmente, todos os autores têm conta no Twitter e serão convidados especiais para essa conversa. Não sei se isso já foi feito e nem o que vai acontecer, mas, no mínimo, vamos ter um bate-papo com quem quiser saber mais sobre esse projeto.

PS. Aproveitando o convite para a conversa na terça, já adianto um possível assunto: que este livro pretende demonstrar que está muito mais fácil produzir livros úteis coletivamente e em prazos reduzidos utilizando a Web.

do Trabalho Sujo de

Conforme prometido ontem, segue meu capítulo do livro Para Entender a Internet, do Juliano Spyer. O livro é uma compilação digital de vários textos que buscam explicar conceitos básicos da natureza digital. Além do meu texto, o livro ainda conta com textos de Sérgio Amadeu sobre pirataria, André “Maratimba” Passamani sobre P2P, Carlos Merigo sobre propaganda, Raquel Recuero sobre redes sociais, Soninha sobre eleições e internet, Interney sobre blog, do Kazi sobre beta, Fábio Fernandes sobre cyberpunk, Cris Dias sobre capital social, Luli Radfahrer sobre mobilidade, Zé Murilo sobre ecologia digital, Felipe Fonseca sobre lixo eletrônico, Ana Brambilla sobre jornalismo colaborativo e Rodrigo Savazoni sobre exclusão digital, entre outros. Segue o meu texto abaixo, mas ele também se encontra aqui (com os devidos links para a expansão dos conceitos). O livro ainda não existe em papel, mas pode ser baixado em PDF aqui.

***

Cultura do remix

O termo remix surgiu nos anos 70, quando produtores e DJs descobriram que era possível mexer na música depois que ela havia sido gravada. Um conceito de certa maneira novo, a pós-produção ajudou a maturidade do rock nos anos 60, quando, liderada pelos Beatles, toda uma geração se dispôs a alterar a própria obra com efeitos, superposições e modulações que podiam mudar sutil ou completamente o que havia sido registrado em estúdio. Mas o que o produtor americano Tom Mould descobriu quase sem querer que era possível aproveitar este novo recurso e aplicá-lo em um mercado ainda mais recente, o da disco music. Ele quem começou a explorar as possibilidades de uma mesma música ser esticada, às vezes por mais de dez minutos, caso fosse necessário. Ciente da novíssima habilidade dos DJs de Nova York no final dos anos 70 (que, sozinhos, começaram a grudar as músicas umas nas outras, juntando batidas semelhantes e encaixando as músicas umas nas outras), Mould percebeu que poderia ajudar a movimentação da pista de dança se fizesse discos que ajudassem o DJ – afinal, discos eram seus instrumentos. E assim foi inventando novidades como o breque instrumental no meio da música – que poderia ser usado ou para prolongar a duração da música, usando-se dois discos, ou permitir que uma nova música entrasse -, o single de 12 polegadas (com sulcos mais largos, em vez do compacto de sete) e, finalmente, o remix.

O conceito de remix, no entanto, não podia ficar limitado à pista de dança. Afinal, ele trata de um processo que começa a reverter o detalhismo cartesiano que categorizou o mundo em compartimentos tão diferentes que parece não ter conexões entre si. Aos poucos redescobrimos pontos em comum em áreas que antes julgávamos completamente alheias umas às outras – intersecções entre arte e dinheiro, ciência e religião, paixão e lucro – que nos fazem repensar completamente o cenário em que habitamos. Estamos, como Mould no final dos anos 70, descobrindo que existem formas de facilitar a vida de cada um dos DJs do mundo – e todo mundo é um DJ em potencial. Como tal, todo ser humano edita sua própria realidade a partir de sentimentos, conceitos, princípios e valores que são, voltando à metáfora, as canções que ele quer que o resto do mundo ouça. Com os recentes avanços tecnológicos que tivemos ao final do século passado, começamos a remixar a realidade de forma mais drástica e consciente, seja no controle remoto, no uso da internet e em tudo que consumimos.

Mais do que na música, que ainda mantém alguns setores completamente alheios ao remix, a realidade atual é completamente remixada. Entre as roupas customizadas e os carros tunados, há um sem-fim de produtos que estão sendo reinventados por seus consumidores – além de tantos outros produtos que foram feitos para ajudar as pessoas a criar, mais do que a simplesmente remixar. Se antes temíamos que a sociedade do consumo nos padronizasse e uniformizasse, estamos vendo um movimento bem diferente acontecendo hoje em dia – e a cada dia que passa, mais temos possibilidades disponíveis para alterar a nossa rotina.

Esse processo de remisturação é o oposto do que aconteceu, voltamos à música, quando o áudio começou a ser gravado. Artistas que nunca haviam aspirado o sucesso além de sua própria comunidade aos poucos se viram transformados em pequenas celebridades, vendendo um novo tipo de som novíssimo para o público em geral pelo único fato de ser gravado. Se antes a música popular era um processo coletivo, sem duração, gênero musical ou autoria definidos, à medida em que o século 20 amanhecia, surgiram novos astros de uma música que, devido a limitações técnicas (só era possível gravar três ou quatro minutos), passava a ter um tema só e começo, meio e fim. Assim surgiu o jazz, o blues, o tango, a moda de viola, o samba, o baião, a rumba, o country e o frevo, por exemplo, gêneros musicais que eram praticados na rua por todos que, quando um Robert Johnson ou Luiz Gonzaga chegava ao estúdio, era personalizado em um músico, quase sempre “o rei do tipo de música tal”.

Estabelecida com o advento da mesma inovação tecnológica que deu origem aos idiomas modernos, aos países, aos livros e ao jornalismo (a palavra impressa), a autoria, como todos estes conceitos anteriores, vem, no entanto, sofrendo uma drástica derrocada que acompanha os primeiros passos de uma nova consciência planetária. O meio ambiente, o capitalismo moderno e a cultura pop funcionaram como agentes cruciais no despertar dessa sensação de que todos nós somos responsáveis por todo o planeta. A internet só nos conectou. Encontrou um ambiente propício para acelerar a troca de idéias e de informação a ponto de tornar-se, em pouquíssimo tempo, no sistema nervoso da humanidade.

Do mesmo jeito que o gênio não é alguém que veio do nada e venceu por conta de seus próprios esforços (sempre procure o contexto de onde o sujeito veio antes de comemorar a vitória da individualidade), a criatividade também não pertence a um só indivíduo. E se o século 20 consolidou o conceito de autoria graças à várias revoluções tecnológicas do fim do século anterior (a fotografia, a rotativa, o gravador de som e de imagens – basicamente invenções ligadas ao processo de registro), a revolução tecnológica que assistimos hoje é baseada em exposição, distribuição e troca. Estamos dispostos a fazer o conhecimento planetário possa se tornar acessível a todos os seres humanos e temos cada vez mais consciência disso – como do nosso papel de agente desta distribuição, atuando como um DJ que, de acordo com as “músicas” (sentimentos, conceitos, princípios e valores) que escolhe, atinge um determinado tipo de público.

Capítulo 1

Viriato Sapopemba de pai e mãe amava andar de ônibus. Uma patologia moderna, típica dos seres urbanos do século XX. Andar de ônibus era um exercício de alargamento da mente de Viriato. Pequenas janelas são televisões de realidade, dizia ele aos amigos que fazia nas inúmeras viagens cruzando a cidade e o país. Às vezes, entrava num ônibus para Santa Cruz só pra ver a Avenida Brasil e suas veias curvas de linhas coloridas, moinhos de farinha abandonados e gasômetros. E dali extraia teorias mundiais sobre a transformação do homem. Transeuntes são seres pacíficos que permanecem em estado estático de espera pelo impacto das violências verbovocovisuais: som e imagem e fumaça são basicamente os elementos de interação dos seres com o ambiente urbano.

Viriato era urbano e amava a cidade alojando sua mente numa espécie de Balzac moreno. A cidade era mais que espaço: era extensão do ser, pois a cidade era aquilo que as janelas dos ônibus mostram para todos. A questão é saber escolher a trilha sonora para cada momento de visão. Viriato era cineasta formado na cinemateca do MAM early sixties e dava conta de suas produções superoitotais – o filme que só o autor vê / radicalização do dilema entre obra-público. Sapopemba dizia a todos nas rodas do bar da Líder: o filme é você!

Assim, o homem vai costurando um olho no ouvido e na boca e no corpo para entender como a totalidade atinge a tonalidade, como a fusão atinge a refração da sua lente. Entende? perguntava Viriato ao motorista do 240 rumo à Cidade de Deus. Estou indo visitar meu amigo Smurf lá na Freguesia pois ando com saudades das tardes lascando fumo na pedreira da Pau-ferro. Pois ando nostálgico das partidas de sinuca com brenfa do quiririm no bosque. Smurf já me fez rodar a cidade num jipe do exército e numa bicicleta sem freio. Smurf é guerreiro e a muito não o vejo.

Assim Sapopemba sensibilizou o piloto e ele parou fora do ponto. Viriato voava acima do horizonte numa olhada em largo pelo bairro que ele aprendera a amar. Viu as vacas e cavalos nas suas vielas escondidas sob o mato alto. Viu o mundo invisível dos loucos da marinha e a solidão do batalhão da PM. Seu coração sabia que era dentro do ônibus que ele sentia-se bem. Devia voltar ao solo mais eram as tomadas de grande angular que lhe impediam de pousar, diminuir seu raio de ação e contracenar com os figurantes.

Mas Viriato é santo e fechou as asas repentinamente. Caía como um Ícaro e ninguém sabia como segurar tal criatura descomunal. As ruas entraram em pânico, corriam para todos os lados e diziam em voz histriônica seus mais recônditos pecados. O homem de bem dizia que roubava até neném enquanto de joelhos via Viriato desabando. A menina dizia que vivia de pica mas era só até ficar rica enquanto Viriato chegava perto do solo. O playboy afirmava que dava o rabo e matava viado mas nunca afinava enquanto via Viriato prestes a morrer.

Em meio aos prantos dos mortais, Viriato perto do solo pára no ar. Ao assumir a forma de cidadão pagante de impostos, afirma que o mundo está mudando tanto que ele entende os pecados dos seus camaradas de civilização. Isso tudo, tudo isso em grande e épica narrativa, Viriato Sapopemba viu do filme feito por ele da janela do ônibus que ele mantém até hoje na ativa. O meu verbo, dizia ele em forma de enigma milenar: CIRCULAR.

Frederico Coelho, autor da novela em dois capítulos aí de cima esclarece que ela foi escrita no séxulo XX e narra a intrépida e lendária vida de Viriato Sapopemba, de pai e mãe.

Essa mini-ficção deliciosa com a cara do Ivan Lessa dos bons eu encontrei lá no blog dele, Objeto sim, objeto não em meio aos ensaios maravilhosos que o Fred pendura por lá. Objeto é blog para assinar e conferir todo dia.

E acabo de ver que ele colocou a segunda parte.

Ontem a diretora, roteirista e produtora Paola Vieira ligou para comentar o post abaixo que fala do carnaval de rua e ficamos divagando sobre a necessidade da prefeitura mexer também imediatamente em 3 outras áreas:
– reforma total no desfile das escolas (fim do monopólio LIESA e construção do novo Sambodrómo aproveitando que o Niemeyer tá vivo e solicitando um novo projeto para ele)
– ação para promover os Bailes nos Clubes (viva Sarongue!)
– palcos espalhado por toda a cidade (como em Recife)

Daí acordo agora e me deparo com o texto abaixo do jornalista Bernardo Araújo na página de opinião do Globo de hoje.

MITO CARIOCA
Segundo o dito popular – nesse caso, um símbolo da síndrome de vira-lata que assola o brasileiro e, especialmente o carioca – nada no Brasil é organizado, apenas o carnaval. No ano em que o Sambódromo comleta 25 anos, não custa promover uma análise do maior espetáculo da terra e derrubar mais esse mito.

A venda de ingressos por exemplo, é organizada? A Liga Independente das Escolas de Samba dirá que sim, mas o público sabe o que sofre na noite anterior à da abertura das vendas. Os bilhetes são resgatados, uma vez vencida a batalha telefônica da compra, em agências bancárias, que não permitem a entrada de muita gente, deixando dezenas a mercê do sole dos cambistas. Por que não contratar uma empresa especializada, começar vendas mais cedo e espalhar as entradas por diversos pontos? Ah, antigamente o sambista era obrigado a dormir na fila? Verdade, mas isso não significa que o sistema atual seja eficiente e honesto. Passemos a festa. O Sambódromo, adequadamente localizado no Centro, é apertado para receber a quantidade de gente que vai, sendo necessária alguma improvisação para que funcione. Muito bem. Que tal abrir-se o maior espaço possível? A entrada para os setores pares da passarela é das mais complicadas – na vizinhançå da antiga fábrica Brahma e através de ruas estreitas, sujas e escuras. Seria muito difícilinstalar iluminação e facilitar o ir e vir?

O desfile pode ser de maior ou menor qualidade, mas o regulamento poderia ser mais cristalino, para que o resultado (de algo já tão subjetivo) saia de forma isenta. Antes de mais nada: a Liesa é quem arregimenta os jurados? Então, obviamente, a diretoria da Liesa não pode ser formada por diretores das escolas que competem. Mesmo que não haja má intenção, sempre vai aparecer um amigo de um diretor, um ritmista que já passou pelas escolas X, Y ou Z, e vai ficar aquela dúvida quanto às notas lidas na quarta-Feira de Cinzas. O ideal seria algum organismo independente (que tal aquele, como se chama mesmo,? Ah, sim, Prefeitura!) ficar responsável pela escolha e o treinamento dos jurados. O espetáculo teria muito a ganhar. Sem falar que o dinheiro público banca boa parte da festa.

Livro do Bill Buford lançado pela Companhia das Letras em 2007. Bill já havia escrito “Entre os Vândalos” (Among the Thugs, 1992), um trabalho jornalístico sobre o fenômeno dos “hooligans”, os violentos fãs de futebol britânicos (que eu ainda não li) e em Calor resolveu largar o cargo de editor de literatura de ficção da revista New Yorker e “aprender a cozinhar” ao lado do chef Mario Batali, dono do restaurante italiano Babbo em NY e do açougueiro da Toscana, Dario Cecchini, considerado o “melhor do mundo”.

Um perfil dos dois mais a experiência do próprio é o que Bill apresenta em “Calor – Aventuras de Um Cozinheiro Amador como Escravo da Cozinha de um Restaurante Famoso, Fazedor de Macarrão e Aprendiz de Açougueiro na Toscana”.

Um livro espetacular que devorei sem parar até a última página. Leitura obrigatória para quem gosta de ler sobre comida. Calor está guardado aqui na estante ao lado dos meus autores-gurus-cozinheiros prediletos (Anthony Bourdain, Nina Horta, Silvio Lancelotti, Sonia Hirsch etc), quem quiser emprestado é só avisar.

Aqui tem uma entrevista bacana que o Sergio Dávila da Folha fez com o autor que também foi editor-fundador da nova fase da revista literária “Granta”. Vale conferir.

E aqui o Baiano em Sampa deixa seu relato sobre o livro.

Na contra capa o chef Anthony Bourdain, autor de Cozinha confidencial, escreve assim:
“Não é pouca coisa para um ‘civil’ com a idade relativamente avançada de Buford sobreviver aos rigores da cozinha profissional, muito menos narrá-los de uma forma tão vívida e fascinante. […] Debrucei-me sobre cada frase como se fosse um risoto rico em trufas.”

A capa é do Kiko Farkas.

O desfile do Monobloco arrastando 400 mil na Rio Branco no domingo depois das campeãs, a carta do leitor no Globo elogiando o deslocamento da Atlantica para o Centro, o texto do Caetano Veloso no blog dele e o do Bernado no Sobremusica me levaram a rabiscar as linhas abaixo. O assunto é longo e sério e merecia uma analise mais profunda e outras opiniões mas por enquanto vai esse rabisco irresponsável mesmo.
Lá vai…

Já faz tempo que acho o Carnaval de rua do Rio o mais interessante fenomeno cultural da cidade. Um sinal de potência e de capacidade de recuperação que o cidadão comum jogou na cara do poder público que durante anos se preocupou apenas com o carnaval na Sapucaí. Estava tudo parado e chato no início dos anos 80 quando integrantes do Suvaco, do Simpatia, do Barbas e outros blocos mais foram retomando o espirito da farra e da festa para brincar novamente o carnaval nas ruas. No embalo desses blocos vieram Carmelitas, Monobloco, Bangalafumenga, Céu da Terra, Boitatá, Escravos da Mauá etc. (talvez seja possível até associar essa retomada do carnaval de rua com a nova onda do samba na cidade e a revitalização da Lapa) A coisa pegou fogo e o quadro hoje é de uma efervescência brutal, há blocos por todos os cantos e estamos a beira da situação descambar para o caos completo. É necessário que a Prefeitura entre organizando pesado para que tudo não corra bueiro abaixo junto aom a urina dos mijões e mijonas. O problema é sério e deveria mobilizar representantes de várias secretarias e não apenas Cultura e Turismo.

Costumo brincar com meu amigo Suvaquense Claudio Lobato da necessidade de se criar a Secretaria do Carnaval de Rua. Então na base da ficção de botequim imaginamos o decreto número 1 do novo Secretário deslocando os desfiles dos grandes blocos para a Av Rio Branco de sábado a terça, 3 por dia as 8h, 13h e 18h. 12 blocos ao longo dos quatro dias, todos saindo da Candelária e dispersando na Cinelândia. Bares, restaurantes e banheiros nas ruas transversais. A programação:

SÁBADO 8h – BOLA PRETA (pela sua tradição e por estar mais tempo no local o Bola Preta seria o único bloco que cruzaria a Rio Branco 2 vezes. Saindo da Cinelandia batendo na Candelária e retornando a Cinelandia)
SÁBADO 13h – CÉU DA TERRA
SÁBADO 18h – SIMPATIA É QUASE AMOR
DOMINGO 8h – BOITATÁ
DOMINGO 13h – SUVACO DO CRISTO
DOMINGO 18h – BANDA DE IPANEMA
SEGUNDA 8h – ESCRAVOS DA MAUÁ
SEGUNDA 13h – BANGALAFUMENGA
SEGUNDA 18h – BLOCO DE SEGUNDA
TERÇA 8H – CARMELITAS
TERÇA 13H – CACIQUE DE RAMOS
TERÇA 18H – MONOBLOCO

O secretário esclarece: Cada um desses blocos continuará a sair no seu bairro e dia de origem normalmente preservando o aspecto mais local e uma escala menor.
A idéia é ter um segundo desfile na Av Rio Branco grandão mais aberto aos moradores da cidade como um todo e aos turistas visitantes.

Seguem trechos dos textos do Caetano e do Bernardo.

Caetano Veloso escreveu no blog dele:
“Antes de ver o de Salvador, já tinha, aos 13 anos, passado o carnaval no Rio. Ver a Avenida Rio Branco vazia e sem animação me cortou o coração nos anos 90. Estava tudo reduzido aos desfiles das escolas. Há 4 anos, passei os dias de carnaval no Rio, sem ir ao carnaval. Estava sofrendo, de luto por dentro, não queria ir ao Sambódromo. Fui com Antonio Cicero e Marcelo Pies ver uma exposição no CCBB. Isso fica no centro, perto da Candelária, que é onde a Rio Branco desagua na Presidente Vargas. Para minha surpresa, vi muita gente fantasiada por ali. Pedi licença a Cicero e Marcelo e fui olhar a avenida. Chorei de emoção: estava como quando eu tinha 13 anos: cheia de “clóvis”, blocos, famílias fantasiadas, tudo. No dia seguinte Hermano Vianna me chamou para ver um mini-bloco que Kassin tocava na Avenida Atlântica (eu estava num apart-hotel entre Copa e Ipanema). A Atlântica estava vazia. Mas, voltando de lá, vi burburinho no Arpoador. Fomos olhar e Ipanema estava apinhada de gente. Nos disseram que o Monobloco tinha passado horas antes. A turba remanecente estava pronta para um carnaval pernambucano, baiano, pronta para tudo. Não havia mais blocos. Sobretudo me impressionou a ausência total dos poderes públicos: os vendedores improvisados paravam no meio do safalto, em qualquer lugar. Lembrei-me de quanta coisa se fez na Bahia e no Recife nestes anos. Há regras para a distribuição dos vendedores. Há proibições, planejamento. O Rio oficial porta-se como se nada houvesse além do Sambódromo. Ouço que o número de blocos cresceu enormemente. Que o folião pipoca é multitudinário outra vez no meu Rio. Fico tão feliz que nem dá para explicar. E espero que surja o que surgiu na Bahia: repertório novo e forte – e presença da prefeitura.”

Bernardo Mortimer no Sobremusica:
“- Blocos grandes como o Cordão do Bola Preta, Simpatia É Quase Amor, Carmelitas, Suvaco de Cristo e Monobloco precisam assumir responsabilidades e arcar com os custos de banheiros químicos. A prefeitura que banque a limpeza e a segurança. Esses blocos de multidões deviam ter, sim, a licença pra desfilar vinculada a uma contrapartida. Afinal, eles vendem ingresso para ensaios e apresentações que se estendem pelo ano, e têm dinheiro até para leques que viram sujeira antes da passagem completa do bloco. O dinheiro de impostos precisa ter outras prioridades, mesmo que dentro do carnaval. Entre elas, aí sim, os blocos médios.

– Qualquer bloco que tenha uma previsão superior a 10 mil foliões, e a secretaria de cultura bem que podia começar a acompanhar isso, deve ser transferido para o Centro. Tradição é tradição, e os blocos de bairro (com mais de, sei lá, dez anos de desfile) podem ficar onde estão. O resto, infelizmente, vai para uma área não-residencial.

– E bloco grande, infelizmente, tem que ser de manhã.”