PROGRAMAÇÃO
Performance Presente Futuro vol. III
Oi Futuro Flamengo, Rio
11, 12, 13 e 14 de novembro de 2010


Curadoria: Daniela Labra
Realização: Oi Futuro
Patrocínio: Oi e Lei Estadual de Incentivo à Cultura do Rio de Janeiro
Produção: Automatica
Performances e Vídeos – 4º e 5º andares
Apresentação das Guerrilla Girls

11 de novembro de 2010, quinta-feira 
14h às 18h – Sérgio Zevallos – performance “Filstudio Melodrama”
12h às 17h30 – Celina Portella – vídeoinstalação “Derrube” (12” 30′) e “365º” (9”)
18h – Mary Fê – Performance “Meu Pequeno Terrorismo de Bolso – Broadcasting Live!”
18h30 – Claudia Herz – performance , com participação de Fausto Fawcett, “Para
Anna Pink”
19h30 – Guerrilla Girls – performance Teatro

12 de novembro de 2010, sexta-feira 
14h às 18h – Sérgio Zevallos – performance “Filstudio Melodrama”
12h às 17h30 – Celina Portella – vídeoinstalação “Derrube” (12” 30′) e “365º” (9”)
17h30 – Mary Fê – performance “Meu Pequeno Terrorismo de Bolso – Broadcasting Live!”
18h – Marco Paulo Rolla – performance “Narciso”
19h – Dupla Especializada (Ricardo Basbaum e Alexandre Dacosta) – performance
“Registro de memória”

13 de novembro de 2010, sábado
14h às 18h – Sérgio Zevallos – performance “Filstudio Melodrama”
12h às 17h – Celina Portella – vídeoinstalação “Derrube” (12” 30′) e “365º” (9”)
12h às 14h – Guerrilla Girls – Workshop
17h – Mary Fê – performance “Meu Pequeno Terrorismo de Bolso – Broadcasting Live!”
17h30 – Palestra: “Festivais de Performance – atravessando categorias, alterando tempos e reorganizando espaços”. Com Wilson Diaz (Helena Producciones/ Festival de Performance de Cáli) e Marco Paulo Rolla (CEIA; Manifestação Internacional de Performance, BH). Mediação: Daniela Labra.
19h – João Penoni – performance “Latente”

14 de novembro de 2010, domingo
14h às 18h – Sérgio Zevallos – performance “Filstudio Melodrama”
12h às 20h – Pips:lab  – instalação multimídia e interativa “Luma2solator”
16h30 às 18h – Daniel Lima – Conversa com o artista.
18h – Mary Fê – Performance “Meu Pequeno Terrorismo de Bolso – Broadcasting Live!”
18h30 às 19h30 – Siri – instalação sonora “MP3xperimental”, a partir das 12h
Mostra Guerrilla Girls – Exibição de imagens documentando os 25 anos de carreira do coletivo
Vídeo – Maria Lynch – Incorporáveis (3’)
Mostra de vídeo – Daniel Lima – Ações de resistência e inscrição no territorio urbano

ZUM ZUM ZUM por Cao Guimarães e José Bento
“Zum Zum Zum” é uma instalação feita em parceria pelos artistas José Bento e Cao Guimarães para a exposição de mesmo nome na galeria Gentil Carioca a partir do dia 30 de outubro de 2010.
Ela é constituída de 3 elementos fundamentais que se complementam formando a obra – um vídeo; objetos com fragmentos sonoros e cores; e a participação do público.
Partindo do conceito de sinestesia – relação entre os sentidos ( no caso a visão e a audição a partir das cores e dos sons ) e de uma questão básica perguntada a 16 músicos instrumentistas ( qual a cor do som do seu instrumento musical?), os artistas abrem o espaço expositivo para que o próprio público se relacione com estes elementos ao se movimentar pelo espaço acionando dispositivos (sensores) e causando uma cacofonia sonoro-visual aleatória.
CAMISA EDUCAÇÃO
A GENTIL CARIOCA realiza o projeto Camisa Educação desde 2005. A cada nova inauguração na galeria convidamos um artista a realizar um projeto para uma camisa na qual a palavra “educação” está escrita. Nesta edição haverá o lançamento da Camisa-Educação n°35 do artista Raoni Moreno.
“Zum Zum Zum” por Cao Guimarães e José Bento
Abertura 30 de outubro de 16h as 20h
03 de novembro a 23 dezembro de 2010
Lançamento da camisa educação por Raoni Moreno
A GENTIL CARIOCA
Rua Gonçalves Ledo, 17- Sobrado
Centro- Rio de Janeiro- 20060-020
Tel: 21 2222-1651
Abrimos de terça a sexta-feira das 12h às 19h e sábados das 12h às 17h.

A jornalista Alexandra Lucas Coelho, do Público de Lisboa, está passando uma temporada no Brasil e escreveu essa matéria bacana sobre o artista plástico Nuno Ramos que eu peguei lá no site do jornal luso.

Três urubus deram origem a um tumulto no Brasil. Por causa deles, activistas ambientais chamaram “sádico” e mesmo “nazi” a Nuno Ramos, um dos maiores artistas brasileiros. E conseguiram mudar a Bienal de São Paulo. Mas é do estado do Brasil, e de tudo o que há entre nós e as palavras, que a obra de Nuno Ramos fala.

Por Alexandra Lucas Coelho, no Rio de Janeiro

1. Tumulto na bienal

Gritos, braços no ar com telemóveis e câmaras. Uma rapariga atira-se para a frente, é agarrada, berra. A multidão avança entre postes, até ao que parece o centro do tumulto. Um homem contorce-se, cai, e caem seguranças por cima. À volta, safanões, tropeções: “Solta ele! Solta o cara! Palhaços! Vagabundos! Filhos da puta!”

Isto é a inauguração da Bienal de São Paulo, a 25 de Setembro de 2010, em vídeos que podem ser vistos no YouTube.

O que é que acaba de acontecer?

Cortando a rede de protecção, um pichador invadiu a obra que ocupa todo o vão central e escreveu nela, em letras brancas gigantes: “Liberte os urubu.” Talvez não tenha tido tempo para o “s” da concordância. Foi apanhado pelos seguranças, enquanto outros pichadores e activistas ambientais tentavam por sua vez agarrar os seguranças, insultando-os.

A origem do tumulto é a presença de três urubus vivos dentro da obra. O ondulante vão central desenhado por Oscar Niemeyer tem três andares de altura. É o espaço mais ambicioso e ambicionado de toda a bienal, onde já estiveram obras de Joseph Beyus, de Anish Kapoor, ou de Rui Chafes com uma performance de Vera Mantero suspensa na própria escultura (Comer o Coração, 2004).

Nesta 29.ª bienal, o artista convidado a ocupar o vão é Nuno Ramos, que em Portugal publicou Ó, um dos mais desafiantes textos da língua portuguesa nos últimos anos, vencedor do Prémio PT de Literatura. Os seus trabalhos plásticos muitas vezes integram texto e música. Para o vão da bienal, ele propõe uma obra chamada Bandeira branca, título de uma das três canções que se ouvem baixinho no recinto.

São três canções, três postes feitos de uma massa escura e densa e três urubus vivos que de vez em quando abrem as asas e voam, planando pelo vão. A toda a volta há uma rede, que o pichador cortou para entrar.

O tumulto torna-se a notícia da bienal, apagando as outras possíveis controvérsias.

Reportando o caso dos urubus, uma televisão diz que o autor da obra é “um artista identificado como Nuno Ramos”, revelando assim não fazer ideia de quem é Nuno Ramos. Sendo a bienal gratuita, nos dias seguintes continuam a entrar magotes de activistas, com t-shirts pelo vegetarianismo, cartazes e correntes. Dois deles algemam-se ao varandim por cima da obra, chamam a Nuno Ramos “suposto artista” e vão gritando com papéis enrolados a fazerem de megafone que “os urubus voam a três mil metros de altura e não a três andares de altura”. No piso inferior, há camaradas com cartazes que depois serão deixados aos pés da obra:

“Urubu não é arte, é ave e voa. Liberte-os!”

“É isso que vc querem ensinar para seus filhos!!! Crueldade animal!”

“Boicotem a bienal, os urubus merecem respeito. Uma “arte” sem ética evoca o nazismo.”

“Bienal: Crueldade dos animais sob o manto da arte.”

“Boicote o sadista. Sádico+artista=Nuno Ramos.”

Os três urubus são animais de cativeiro, vieram de um parque em Itabaiana, estado de Sergipe, nunca viveram na natureza e têm presença na bienal autorizada pelo Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos).

Mas a pressão multiplica-se em blogues, como o do Centro de Mídia Independente, para citar um exemplo: “Está na hora do Ibama parar com esse legalismo e se dar conta de que o problema não é se o animal nasceu em cativeiro ou não”, escreve o activista Lobo Pasolini. “O problema é explorar animais, ponto final. Animais não são coisas que podem ser postas a serviço da vaidade de uma pessoa, independentemente do suposto “bem-estar” pelo qual a organização diz zelar. Como o Ibama pretende acabar com o tráfico de animais enquanto apoia a exploração desses é um mistério para mim.”

Lobo Pasolini informa que os urubus da obra “convivem permanentemente com o som de músicas” em “muitos alto-falantes”, e que “não é a primeira vez que Nuno Ramos explora animais em benefício próprio”, visto que já em 2006 “usou burros em uma instalação onde os animais eram obrigados a portar grandes caixas acústicas”. Trata-se, pois, de mais um “caso de arrogância e falta de ética”, escreve o bloguista. “A questão aqui não é censura. O artista tem o direito de fazer o que quer, se expressar livremente, mas com certeza ele não tem direito de causar sofrimento e reforçar a opressão. Imagine-se que para tratar de um tema como o estupro de mulheres, digamos, o artista tenha de reproduzir uma cena real em sua instalação ou filme?”

O vereador Roberto Tripoli, do Partido Verde, faz denúncia do caso, exigindo a retirada dos urubus, e anuncia que vai apresentar “um projeto de lei proibindo a presença de animais em qualquer exposição na capital”. Gláucia Bispo, coordenadora de Fauna do Ibama de Sergipe, vem a público dizer que “quando o artista e a bienal requisitaram a autorização, apresentaram fotos que não correspondiam ao local onde os urubus estão”.

E o Ibama acaba por retroceder, retirando a licença. A bienal recorre em tribunal e fica à espera da decisão. O recurso é recusado. Na noite de 7 de Outubro, depois dos visitantes saírem, os três urubus são retirados.

2. A obra ao perto

O P2 viu a obra ainda com os urubus em duas visitas, 4 e 5 de Outubro.

Para quem nunca esteve na Bienal de São Paulo, o primeiro impacto é o tamanho do vão central, um espaço enorme, em torno do qual tudo se organiza. A obra que está no meio acaba assim por se estender a todas as outras. Está quase sempre nas nossas costas, ou à nossa frente, ou por baixo, ou por cima. No caso de Nuno Ramos, como há uma rede delimitando literalmente um dentro e um fora, isso é particularmente visível: “aquilo” está sempre ali, entre nós.

E o que é aquilo?

Quando entramos, e no piso térreo olhamos para cima, para a imensidão daquelas três massas densamente inumanas, escuras, arredondadas, com um declive abrupto, é como se uma imagem vinda de um livro de Kafka, talvez O Castelo, se materializasse. Uma forma para um medo a que nunca demos forma.

Cá em baixo, há uma porta na rede, uma pequena porta fechada, única possibilidade de entrar, mas vedada a todos menos ao tratador. Os urubus estão lá em cima, pousados, e deste piso térreo não se vêem bem.

Não restam quaisquer vestígios de protesto. A pichação foi apagada logo a seguir e hoje não há activistas na bienal, aparentemente.

Então, os visitantes sobem pela passadeira em caracol, branca, leve, aérea, que depois se ramifica como as artérias de um coração, puro Niemeyer. E nos pisos seguintes é possível observar mais de perto os três animais negros, com a sua cabeça em gancho, imóveis como quem espera. Dois num poste, um noutro.

Cada poste corresponde a uma canção dentro de uma caixa de som, e portanto, dependendo do piso e do ponto onde está, o visitante poderá ouvir Bandeira brancacantada por Arnaldo Antunes, Carcará, cantada por Mariana Aydar, e Boi da cara preta, cantada por Dona Inah. Mas o som dos três altifalantes está tão baixo que não é fácil seguir a letra de cada uma. O som ambiente da bienal é mais alto.

De repente um urubu abre as asas e vem directo a nós em linha recta, como se não houvesse rede. Mas antes de tocar na rede muda de direcção.

O humano está dentro ou fora? É antes ou depois de nós? Antes ou depois da morte?

Se agora olharmos do alto deste último piso, podemos ver lá em baixo a capa do livroBiblioteca, de Gonçalo M. Tavares, a fazer de porta de uma casa. Porque aos pés da obra de Nuno Ramos, como uma sua antítese, confiante, reconfortante, está a casa-labirinto de Marilá Dardot e Fábio Morais, em que portas, paredes e chão são livros (Cortázar, e.e. cummings, Sophie Calle, Lewis Carroll, Hilda Hilst, Kafka, Perec, Mallarmé, Haroldo de Campos, Calvino, Borges…). A Biblioteca abre-se para dentro ou para fora, entram e saem pessoas. Tudo o que na obra de Nuno Ramos não é possível.

São Paulo é uma cidade com dez milhões, e mais dez na zona metropolitana. No meio desta paisagem vertical, irregular, densa, há uma respiração verde, com água, jacarandás e a flutuante arquitectura branca de Niemeyer: o Parque Ibirapuera. Aqui está o Museu de Arte Moderna, e o seu prolongamento ramificante, a Marquise, uma pala que vai percorrendo espaços do parque, e debaixo da qual a toda a hora háskaters e patinadores. Aqui está a Oca, um palácio de exposições que parece uma nave afundada na relva. Ou o mais recente Auditório, com uma língua vermelha levantada para o céu.

Tudo isto é Niemeyer, entre plantas, lagos e gente, e pode avistar-se dos grandes janelões de ferro que ele imaginou para o edifício da bienal, no centro do parque.

Podemos então ver a obra dos urubus também como o buraco negro deste esplendor. O seu avesso, ou o seu simultâneo.

“É o urubu”, gritam alegremente as crianças de uma escola, no segundo dia em que o P2 lá foi. “Muito louco, legal!”, comenta um dos rapazinhos, fotografando um voo. Mais adiante, a TV Cultura grava um depoimento com um artista encostado ao varandim, Paulo Pasta, sobre a polémica dos urubus. “Empobreceu o debate”, diz ele. “O Nuno vem trabalhando uma veia alegórica, de falar do país. Esse trabalho é grandioso lá em baixo, e cá em cima tem as asas de um bicho de carnificina. Talvez nos leve a pensar na situação do nosso país. O que é que tem no gueto? Tem maravilha mas ao mesmo tempo uma tragédia. Esse trabalho aflora tudo isso.”

3. Ao telefone de Istambul

Ainda antes de a bienal abrir, o P2 trocara emails com Nuno Ramos para combinar uma conversa durante a campanha eleitoral. Entretanto a polémica dos urubus rebenta e dias depois o artista vai para Istambul, onde tem compromissos. Temos uma primeira conversa ao telefone no momento em que o recurso está em tribunal. Que fará caso a decisão seja retirar os urubus? A obra não perderá sentido? “Grande parte, sim, deixa de existir”, diz Nuno Ramos. “A ideia de um interior que não pode ser violado deixa de fazer sentido. Até talvez eu desfaça a obra toda. Mas os urubus estão sendo bem cuidados, estão bem de saúde, acho tudo isso um absurdo.”

Dividindo por partes: “Por um lado, a reacção caluniosa, com boatos absurdos, a dizer que deixei bichos morrer, que os ia deixar afogados em latas de tinta. Me confundiram com aquele artista mexicano que deixou morrer um cão. Disseram que eu soltava fogo-de-artifício para fazer os bichos voarem. Parece-me uma coisa fascista e você não tem como se defender.”

Depois há a questão ambiental: “As pessoas têm o direito de serem contra aves em cativeiro, desde que entendam que eu não estou maltratando os urubus. Há limites em arte: você não pode matar uma pessoa. Mas dentro do limite legal a arte pode tudo. Eu não sou ecologista, fiz uma obra com vários sentidos. E essa polémica parece-me mais uma forma de controle do imaginário, de onde a arte sai muito diminuída.”

Os urubus na obra são “o bicho nocturno, a natureza invadindo aquele edifício, algo que vem das penas pretas que migrou para aquelas esculturas de areia queimada que aparecem modernas, mas também observatórios maias, como se algo estivesse sendo observado do ponto de vista astrológico”. Esse é o universo da criação, “um mundo do sonho”, e Nuno Ramos teme que ele esteja “sendo cada vez mais colonizado” por um discurso exterior. “O discurso ecológico parece que sequestrou o olhar.” Mas “a arte é uma saída, não é uma solução, não resolve nada, só abre”.

Numa versão experimental, com outras formas, esta obra já tinha estado exposta em Brasília. Nuno Ramos reformulou-a para a bienal, pensando-a sempre no momento presente do Brasil. “O vão é o coração do prédio, onde o público circula. Então, tem esse coração veloz, expansivo, dos anos 50, e a obra é o contrário: preto, volume, peso, para dentro. É uma desconfiança em relação a esse optimismo que o Brasil está vivendo. O interessante é você não poder entrar. Não teria a mesma força se pudesse.”

4. Depois da retirada

Os urubus são retirados na noite de 7 para 8 de Outubro. Nuno Ramos já está de volta a São Paulo, mas como o P2 agora está no Rio voltamos a falar por telefone. Que vai fazer? “Vou manter a obra. Acho que seria muito injusto com a bienal, não seria praticável. Eu estava achando que a gente ia ganhar, mas aí o juiz indeferiu e o cara que trata deles retirou. Agora estão de volta no cativeiro original que é 1/16 mais pequeno, no Parque dos Falcões, em Sergipe. Nunca saíram do cativeiro, só em exposições minhas.”

E como é que Nuno encara a retirada? “Acho que não foi por motivos técnicos. Não me sinto censurado como na ditadura militar. Foi legítimo, os caras entraram na justiça e ganharam. Mas sinto-me injustiçado. Os urubus foram retirados por pressão política, de incapacidade de ouvir a arte, de dialogar com ela. O que foi suprimido foi a estranheza do que fiz e não o mau-trato. Ninguém falou em mau-trato. A coisa veio muito das ONG, do deputado do PV, a coisa pegou na Internet.”

Pelo meio chegou a haver diálogo com o Ibama de São Paulo. “Parecia que haveria uma colaboração. Eles queriam que eu usasse luz ultravioleta três vezes por dia, o que seria tranquilo de fazer. Propuseram que a licença fosse revogável a cada 15 dias e eu gostei dessa ideia. Pus a hipótese de diminuir o som.” Mas depois, crê, terá havido “pressão política organizada” em Brasília. “Acho difícil que eles tivessem ganho se não houvesse eleições.”

Questionado pelo P2, o Ibama/Brasília remeteu para o Ibama/São Paulo, que enviou a seguinte nota através da sua assessora de imprensa: “A licença de transporte e exposição dos Urubus que faziam parte da obra do artista Nuno Ramos na 29.ª Bienal em São Paulo foi revogada, considerando Parecer Técnico dos analistas ambientais recomendando que as instalações estavam inadequadas para a manutenção dos animais. Em notificação o Ibama solicitou a retirada das aves e seu retorno ao local de origem, o Parque dos Falcões em Itabaiana/SE.”

Agora, “há que defender de volta a autonomia da arte”, remata Nuno Ramos. “Não vou fazer-me de vítima. Essas pessoas [os activistas que o acusaram de explorar os urubus] impõem uma simplificação radical a tudo, precisam desse inimigo simplório para continuarem a repetir as mesmas coisas.”

E sugere a quem viu a obra da bienal que veja a sua obra-irmã. Está neste momento em exposição no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. Nuno Ramos acha que tecnicamente é a mais difícil que já fez.

5. O fruto no Rio

Os trabalhos de Nuno Ramos têm “uma dimensão material intensa em que nada é confortável”, escreve a curadora da exposição do Rio de Janeiro, Vanda Klabin. “Abrem-se a experiências inquietas, desordenadas, interrogativas, nas quais uma busca poética e existencial faz-se sempre presente.” Estar perante uma obra deste artista “inclassificável”, “um dos mais versáteis” do Brasil, é “ter a possibilidade de acessar mundos remotos, guardados na memória de cada um de nós, e também no repertório comum a todos os brasileiros que cresceram ouvindo o samba de Nelson Cavaquinho ou conheceram a literatura através dos poemas de Carlos Drummond de Andrade”.

O texto pode ler-se no primeiro andar do museu, um espaço luminoso, totalmente dominado pela obra Fruto Estranho. É um trabalho monumental. Duas árvores verdadeiras com dois aviões verdadeiros encastrados nas copas. É como se os aviões se tivessem despenhado ali há séculos, e agora o metal e a madeira formassem uma matéria só, os troncos a trespassarem as asas, e tudo coberto de uma seiva branca. A árvore passou a ter asas e o avião passou a ter raízes. Mas eternamente presos um ao outro, estão como as figuras de Pompeia, imóveis, cobertas de lava.

Neste caso, o que parece seiva é na verdade sabão, cobrindo os aviões até eles parecerem uns bichos cegos, sem olhos, sem janelas. Quatro toneladas de sabão para dez toneladas de obra, no total.

Cada avião tem uma asa de onde pende um tubo cheio de líquido, como numa transfusão. E cada asa tem a seus pés um contrabaixo de onde foi retirada uma parte da madeira para alojar um recipiente com líquido. A ideia é que o tubo que vem da asa está a deixar cair o seu líquido no violoncelo.

Se avião e árvore estão petrificados, o líquido estará em movimento. Nuno Ramos pensou-o como sendo soda cáustica, mas o museu contrapropôs água, por razões de segurança.

E num pequeno ecrã entre os dois aviões passa continuamente um fragmento de A Fonte da Virgem, de Ingmar Bergman: um homem chega ao cimo de uma montanha onde há uma jovem árvore solitária e agarra-se a ela com toda a força do seu corpo, tentando derrubá-la. Por cima, Nuno Ramos põe Billie Holiday a cantar Strange Fruit. Quando ela acaba de cantar, a árvore caiu, com o homem abraçado. O conjunto é de uma beleza arrepiante.

E quando voltamos a andar entre os aviões, a voz de Billie Holiday segue-nos como um eco, uma memória, algo que esteve vivo ali e já não está.

6. A grande arte

“Nuno Ramos é um dos artistas mais importantes do mundo na geração aparecida nos anos 80”, diz ao P2 o crítico e professor Paulo Sérgio Duarte. “Existe uma crueza no olhar dele, um brutalismo, uma intensidade difícil de encontrar. É uma obra contundente, com uma força plástica formidável e uma inteligência muito rara. Acho que ele ainda não tem a resposta internacional à altura mas acabará por ser reconhecido.”

Paulo Sérgio, um dos mais influentes críticos no Brasil, desvaloriza a polémica dos urubus. “Já assisti a manifestação contra a morte de moscas, literalmente. Isso aconteceu em Houston, na abertura de um trabalho de Tunga [artista basileiro]. Os urubus estavam licenciados, e eram criados em cativeiro, mas se há quem proteste por moscas… Isso é tanto mais desproporcionado quando pensamos nos problemas do país. Não estou de acordo com essa pressão.”

O músico e ensaísta José Miguel Wisnik disse, na sua coluna do Globo: “As reacções que ele despertou parecem ser uma projecção fantasmagórica e obtusa, desvairadamente literal, daquilo que atravessa sua obra como uma sondagem – única – de dimensão brutalmente física e impalpável que persiste entre as palavras e as coisas.”

Essa dimensão, não apenas entre as palavras e as coisas, mas entre nós e as palavras, como no poema de Cesariny, será talvez o mais perturbante na obra de Nuno Ramos.

Wisnik remata assim o seu texto: “Sim, Nuno Ramos é cruel. Isto é, um dos nossos maiores artistas vivos.”

Nascido em 1960, a trabalhar como artista plástico desde os anos 80, autor de vários livros de contos e ensaios, além de canções, Nuno Ramos vive em São Paulo. O seu último livro, acabado de publicar no Brasil, chama-se O Mau Vidraceiro, e tem um vestígio de ave na capa. Na badana, Gonçalo M. Tavares escreve: “De resto, os urubus no ombro de Nuno Ramos sabem que tudo “termina sempre aqui”, nas suas panças. Mas nós – que conseguimos ser tão exactos na nossa covardia – já ali estamos, na sombra do segundo urubu (o que vai devorar o primeiro), encolhidos e encolhidos, como predadores. Mas julgando preparar a nossa pança, já estamos, afinal, a falhar a nossa fuga.”

peguei lá no site do Financial Times.

By Jackie Wullschlager
Published: October 22 2010 23:11 | Last updated: October 22 2010 23:11

How do you get to be the world’s most successful art dealer? The steely-eyed, silver-haired 65-year-old who steps discreetly into C London in Mayfair is not giving much away. “I’m a kinda lowbrow guy,” Larry Gagosian says, acknowledging the greetings from tables full of international collectors in town for the Frieze art fair as he slips into a corner seat beside me. “I couldn’t put it better than Woody Allen does, ‘Just give me a good game and a good beer.’ I’m just like the next guy.”

In black trousers, open-necked shirt and checked jacket, he has certainly tried to look ordinary. Tanned and trim (when at home in New York, he works out in the pool at his Manhattan town house), Gagosian speaks softly, slowly, deliberately, as if to undercut his powerful image.

But to say he is “just like the next guy” is straining the truth. Gagosian is masterminding the careers of blue-chip names such as Jeff Koons, Takashi Murakami and Damien Hirst. He owns nine (soon to be 10) galleries round the world. When we meet, he is fresh from an opening at one of his London galleries, Hirst’s “Poisons + Remedies” in Davies Street, a Mayfair space that he says “has been a gold mine”. He is en route to a party at the other gallery, on Britannia Street near Kings Cross, to celebrate James Turrell, the American conceptualist and experimental sculptor of light and space who has just joined the Gagosian stable. When I congratulate him on his recent, museum-quality Picasso show in the same Britannia Street gallery, talk turns naturally to his pleasure in “building a nice Picasso collection”. Collecting for himself, says Gagosian, is “a perk” of the job.

C London, formerly known as Cipriani, is Gagosian’s neighbour on Davies Street and a favourite haunt. Without bothering to open the menu, he asks for grilled swordfish – surely appropriate for a man known as the sharpest operator in the business. I opt for risotto alla primavera. A drink? “No, no, but please go ahead – knock yourself out! You want a vodka? Ha!” He glances at the scribbles in my notebook: “Then you won’t be able to read your handwriting. Which could be a good thing.” We settle on mineral water: sparkling for him, still for me. “Restaurant behaviour is now so standardised, it’s kinda annoying”, he observes. “When I first came to London it was a two-hour lunch and a bottle of wine; in New York’s it’s Diet Coke and back to the office in 20 minutes.” He affects appreciation of the lunch crowd lingering around us but I sense that the New York model better suits this frenetically active man.

In the past week, Gagosian has been in London for the giant Frieze contemporary art fair, then in Paris to receive the Légion d’Honneur – an award he studiously avoids mentioning throughout our lunch – and to inaugurate his ninth gallery, a swankily revamped hôtel particulier close to the Champs Elysées. “There’s room for a gallery like ours there, so we decided to take the plunge. And Paris is catching up with London – don’t you think so?”

The charming sleight that my opinion matters conceals ruthless ambition and business acumen. Gagosian is establishing himself in the French capital ahead of Bernard Arnault’s museum, the Louis Vuitton Foundation for Creation, designed byFrank Gehry, which will transform Paris as a contemporary art centre.

The Paris gallery is part of an expanding empire establishing Gagosian as the art market’s one truly global brand. By next weekend he will be back in New York to open an important Robert Rauschenberg show – he represents the artist’s estate. Next month a Giacometti exhibition will launch his 10th gallery, in Geneva, and he shows Murakami in Rome. A Hong Kong gallery is scheduled for January.

“Yeah, I like to travel, like anyone does,” says Gagosian. “I like to have a reason to visit each city – that’s very satisfying. I go to Rome, I have a reason to be there, not just looking at the sights. Not that the sights aren’t worth looking at but I’m not the sort of person who goes somewhere just because it’s there. I mean, it’s great for people to do that but I don’t do it.”

What he does is enact, in real street level spaces, the abstract idea of 21st-century global culture. “New York used to drive the art world but it’s much more diverse, more global now. One sees wealth in many more different parts of the world, and the big change is electronic information – being able to show images anywhere. Yet you have to reinforce that with bricks and mortar apparently, this business is based on walking in a door and looking at things. Most major galleries have clients round the world; we’ve built all these galleries. It’s a particular approach, I’m not sure it’s necessary but it is fun. Once I started I couldn’t stop.”

He was born in 1945 in Los Angeles, the elder of two siblings, to Armenian immigrant parents, a stockbroker and “a homemaker”, and “had to leave LA to take the next step up – New York was the obvious place to go, so right off the bat I was moving – always moving.”

After an English degree at the University of California Los Angeles, “I started selling posters on the sidewalk”. He acquired them for $2, stuck them in aluminium frames and resold them at $15. “I didn’t think it would lead to anything. I didn’t go to museums when I was a kid, it wasn’t that sort of family. It was only when I started to get into the art world that I understood such a profession as art dealer existed.”

Our lunch arrives. My risotto is creamy, soothing and packed with asparagus. Gagosian’s swordfish, is accompanied by boiled potatoes and a green salad. He approaches the dish methodically, with minimal interest, and continues: “I wasn’t particularly ambitious at college, I had no career path whatsoever. I started from scratch so it always felt like progress.” Did he follow any models? “I’m not really a scholar but I read a couple of biographies of [Sir Joseph] Duveen – I find his style kinda inspiring. He was a risk-taker, not afraid to buy a very expensive work of art. He believed in the power of art – that’s where the confidence has to be. Art’s been around a long time: I can’t screw it up too much!”

Duveen was a British art dealer who grew rich in the early 20th century by acting on one idea: that Europe had old art while America had new money. Gagosian opened his first gallery in Los Angeles in 1979 and similarly made a fortune taking the excitement of the east coast art scene – Richard Serra, Frank Stella, Eric Fischl – to west coast collectors newly rich from profits in entertainment, real estate and technology. He also acquired a reputation for turning collectors’ houses into extensions of the Gagosian Gallery, brokering deals on the principle that anything is for sale if the price is right.

An early triumph in the mid-1980s was cold-calling the collectors Burton and Emily Tremaine and persuading them to sell their Mondrian, “Victory Boogie-Woogie”, to Condé Nast publisher Si Newhouse for $12m. That sum sounds small beer compared to today’s prices, which, Gagosian says, “I would not have anticipated – I don’t think anyone would.” In 2006, he brokered another famous private sale, from entertainment mogul David Geffen to hedge fund billionaire Steven Cohen, of Willem de Kooning’s “Woman III” for $137m – the second most expensive work of art ever sold.

Gagosian has, he acknowledges, “a natural feel for selling. Innate cleverness is part of my DNA. My judgment isn’t always right but I tend to be able to size things up.” He was also “born with a good eye – well, I think it is a good eye. I’ve always been extremely visual, looked at things closely, been captivated. I don’t want to say I have any special gift but if you haven’t an eye, you won’t be a dealer.”

Moving to New York in the 1980s, Gagosian caught the attention of Leo Castelli, then America’s most influential gallerist, who “became a very, very good friend. He took a liking to me, I think, because I could sell things for him. It annoyed a lot of people, which was part of the idea.” Gagosian acquired the nickname “Go go”, while Peter Schjeldahl, an art critic for The New Yorker, has described him as being “like a shark or a cat or some other perfectly designed biological mechanism”.

Why do people have these reactions to him? “You’d have to ask them! But anyone is susceptible to pangs of envy and competition – it’s what makes the world go round. As long as you behave well, there’s nothing wrong with being aggressive.” He has poached from other dealers – Murakami from Marianne Boesky, Franz West from David Zwirner – but “never from Leo, why would I? It would have been bad manners, and bad business.”

Our short lunch is interrupted by a waiter assuming we have finished, but “I’m not through with it yet”, Gagosian says of the last shreds of his salad, as if it were a tricky installation. Since Castelli’s death in 1999, he sums up, “the art world has become much more a business, for better or worse, through thick and thin – and even the lean times are not that lean!” Has Gagosian effected this transformation? “I haven’t changed the way art’s sold but I’m the kind of person that likes to push and keep challenging myself. I haven’t reinvented the wheel but by expanding it into a global business, that’s a contribution. But the model of art dealing is pretty fixed.”

Never before, though, has a dealer swollen an artist’s prices simply by anointing him into his stable. British painter Glenn Brown, for example, joined Gagosian in 2004 with a record price of £46,000; now his top price is £1.4m – a 30-fold rise, exceptional in just six years. “Taking an artist at entry point and building that reputation – if you pick well – it’s one of the neatest things you can do as a dealer,” Gagosian says. And he has just, he mentions, had dinner in New York with the abstract painter Cecily Brown; he talks warmly of her new baby, and also of the fact that “when she started, her big canvases were $8,000. Now they’re – more expensive.” (One fetched $1.1m at Sotheby’s in May.)

Is his Midas touch so infallible that things get dull? “If everything’s blue-chip, it might make good business sense but it becomes kinda sterile. But you try to show the most interesting, innovative artists – that’s your judgment, your taste – it’s the most crucial decision a dealer has to make.”

Like other great dealers – Daniel-Henry Kahnweiler with Picasso or Castelli with Jasper Johns – Gagosian will be remembered for facilitating certain great careers: particularly Richard Serra, with whom he has worked since 1982 – “I built my gallery in Chelsea with Richard in mind, to keep him excited and engaged, I bought the building because his work demanded it” – and Cy Twombly. “Yeah, I push him. I’m sure he sort of groaned when he heard I was opening in Paris,” says Gagosian, who has launched each European venue, including Paris, with a Twombly show. “One of the greatest joys of my life has been working with Cy. It’s an awesome career.”

Gagosian has no family and it is noticeable that his most shimmering shows this year – Picasso in London, Monet in New York – have been historical. “I don’t want a premature retrospective”, he says, but he is displaying part of his own collection for the first time this autumn, in Abu Dhabi. He turns down dessert and tells me, “I don’t do coffee”, but, as I request the bill, he asks, “Do you do this sort of thing often? I don’t.”

He rarely gives interviews and I have been wondering why he agreed to this one. Is it competitive drive? Hauser & Wirth, his nearest rival, has just opened spectacular premises in Savile Row and Gagosian is aware that he “needs a bigger space, in the centre”, to reaffirm his London presence. His final speech, though, delivered in a fluent rush, suggests something deeper: at 65, this fearsomely efficient selling machine is also concerned with the longer view, the legacy.

“T S Eliot said that every new piece of literature alters what’s been written before, and you can adapt that to art,” he says. “Taste changes, time will tell. But you can’t freak out about it and you can’t be paralysed because you can’t always hit the bull’s-eye when it comes to art history. That shouldn’t stop you taking your shot. Art dealers feel they have to obfuscate the mercantile part of their profession but let’s not kid ourselves – it’s a business. Artists have families and children and like anyone else they want to live decently – sometimes very decently. We use our best judgment but we just don’t know: great art has lasting value, it doesn’t go away. And, look, I could have been selling insurance – I mean no disrespect to that profession – but anyone doing what I do has to feel really fortunate. It’s a wonderful world, the best.”

Maria do Carmo Pontes, a correspondente avançada do b®og em Londres (com foto e micro-perfil aí na barra lateral), mandou a sexta coluna MC LDN. Lá vai:
Louise Bourgeois – The Fabric Works

Ao menos uma vez por mês, eu e minha boa amiga Lucy Moore, jovem pintora inglesa, fazemos uma caminhada pelas galerias de Mayfair. O roteiro é sempre parecido, começando invariavelmente pela White Cube de Mason’s Yard, passando pela Thomas Dane, Sprüth Magers, Stephen Friedman, Gagosian e terminando na Sadie Coles HQ. Sexta-feira passada, enquanto fazíamos o nosso tour, chegamos num impasse após visita à exposição da Beatriz Milhazes no Friedman: eu queria seguir para a Sadie Coles ver a individual de Angus Fairhurst enquanto Lucy queria visitar a nova Hauser & Wirth em Savile Road. Como ela infelizmente se muda ainda esta semana para a Austrália, acabou tendo maior poder de escolha e nós seguimos para Savile Road.

Para a inauguração deste novo espaço, que consiste em duas salas ocupando meio quarteirão em pleno Mayfair, a Hauser & Wirth organizou uma exposição com os trabalhos de tecido de Louise Bourgeois. O uso deste material por parte da artista não é nenhuma novidade: grande parte de suas esculturas e instalações envolvem o uso de tecido, fato compreensível uma vez que os pais de Bourgeois trabalhavam no ramo de tapeçaria na França, o que muito influenciou a carreira da artista (daí sucede sua mãe ser retratada como uma aranha [Maman, 1999]). A grande surpresa, foco e novidade desta exposição são trabalhos de parede, quadrinhos de não mais que 50 cm que a artista produziu entre 2002 e 2008.

Tendo nascido em 1911 e falecido em maio deste ano, a artista-ícone francesa penetrou praticamente todas as mídias passíveis de serem penetradas nas artes-plásticas: fez esculturas de variadíssimos tamanhos em madeira, pedra, pano, mármore e cobre; desenhou, pintou, expôs seus traumas, fragilidades e sexualidade, instalou e desinstalou, pendurou, castrou, jantou o pai e demonizou a mãe. Além de 3 ou quatro grandes instalações deste já familiar repertório de Bourgeois, foi de uma beleza ingênua ver os trabalhos recentes da artista – pequenos, com um sem-número de cores e formas, alinhados em molduras individuais sobre a parede. São colagens, todas sem título, de retalhos de panos acumulados durante toda uma vida, costurados de forma a compor ora figuras geométricas como retângulos ou linhas, ora teias partindo de um ou mais centros do tecido. Por vezes o volume saltava o pano, com bolas ou pequenas pedras penduradas sobre ele. Eu pude quase enxergar Louise Bourgeois em seu studio no Brooklyn, em meio àquelas instalações monumentais, sentada num canto, tecendo as suas memórias num trabalho solitário e individual. Tornando-se ela mesma em Maman, revivendo lembranças de uma vida, enfim encontrando os devidos lugares de cada uma, esperando, já aos 90 anos, que alguma Moira lhe cortasse o próprio fio.

A artista revela com esta exposição uma dimensão do percurso da vida, voltando ao palpável, ao artesanato, ao pequeno, como nós mesmos ficamos fisicamente pequenos após certa idade. O trajeto de Bourgeois, artista, não foi a desmedida busca do mais e do maior, desafiando até aonde vai a ambição humana. Quem sabe ela não resolveu os temas que tanto a atormentaram ao realizar a obra de uma vida? Os anos finais foram de balanço, achar nome a lugar para as coisas, tempo de fechar um círculo: ciclo.


O release que Diego de Godoy, diretor de cinema e curador da exposição, me mandou diz assim:


Espaço Soma e dgdgd apresentam a exposição “I’ll Be Your Mirror”, de Thomas Dozol

Pela primeira vez em São Paulo, após exibição em Nova Iorque e Atlanta, exposição apresenta série limitada de fotografias

No dia 27 de outubro, o Espaço Soma recebe a exposição “I’ll Be Your Mirror”, do francês Thomas Dozol. O fotógrafo apresenta retratos de amigos e conhecidos registrados após quinze minutos do banho, no máximo. A idéia é congelar um momento de autocontemplação e reflexão, explorando fronteiras da intimidade e familiaridade. As obras serão comercializadas e a exposição fica em cartaz até 27 de novembro, com curadoria do cineasta Diego de Godoy (dgdgd) e produção do Kultur Studio.

“I’ll Be Your Mirror” é a captura desses momentos de privacidade, em que Thomas Dozol procura se misturar ao ambiente da pessoa retratada, sem interferir em sua rotina diária, sem interrupções do cotidiano. A exposição já esteve em Atlanta e em Nova Iorque, no NP Contemporary Arts Center, onde o cantor e compositor Elton John adquiriu cinco fotografias da série.

Munido de sua câmera e sem equipamento de iluminação e equipe técnica envolvidas no trabalho, Dozol não dá nenhum tipo de instrução aos indivíduos. Com isso, o processo criativo de sua obra torna-se quase tão íntimo quanto o momento que ela retrata de forma sutil e poderosa, caracterizada por uma vivacidade e uma palpabilidade arrebatadoras. “Entre os amigos de Thomas Dozol retratados na exposição “I’ll Be Your Mirror” estão a atriz Gwyneth Paltrow, os músicos Casey Fisher (Fisherspooner), Jake Shears (Scissors Sisters) e Michael Stipe (R.E.M.), cantores e personalidades que sempre aparecem glamourizados e produzidos, mas nas imagens surgem naturais e em pé de igualdade com o os demais da série”, reflete Diego de Godoy.

A maioria dos personagens são fotografados ainda molhados, fazendo referencia à água pois, segundo Dozol: “ela tem papéis importantes, como ‘renascimento’, ‘purificação’ e ‘recomeço’, conceitos que podem ser aplicados tanto aos ritos sagrados, como ao ritual diário do banho”, detalha o artista.

A inspiração da série, uma reflexão sobre a vida humana, surgiu do fascínio do artista pela capacidade dos pintores nabis [do hebraico “profetas”] de transformar momentos aparentemente mundanos em algo mais elevado.

Thomas Dozol nasceu na Martinica, em 1975. Já teve trabalhos publicados em revistas internacionais como Interview, Vogue, Paper e Another Man. Possui Bacharelado em Arte Dramática e atua diretamente na área de fotografia há cerca de 5 anos. Já trabalhou com teatro, em Paris e Nova Iorque.

“I’ll Be Your Mirror”, por Thomas Dozol @ Espaço Soma
Rua Fidalga 98 – Vila Madalena – São Paulo/ SP
Abertura: 27 de outubro, das 19h as 24h
Terça a quinta-feira das 12h às 20h
Sextas e sábados das 12h à 1h
Capacidade: 250 lugares
Aceita cartões
Censura livre
Exposição com visitação gratuita
Estacionamento: Em frente (não conveniado)
Telefone: (11) 3031-7945

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Sábado, no ateliê aqui na Lapa, Francisco Bosco lança seu livro, são ensaios mas com alma de poesia. O lançamento acontece entre 19h e 22. Depois rola festa/pista até 1h da manhã com os djs Nepal, Arthur Miró (Festa Phunk) e Rodrigo Montoni. O release que Francisco me mandou diz assim:

E LIVRE SEJA ESTE INFORTÚNIO ] FRANCISCO BOSCO

O tema do novo livro de Francisco Bosco, E livre seja este infortúnio, pode ser resumido de modo singelo e direto: “as pessoas mudam?” Por meio de uma série de textos heterogêneos quanto à escrita (alternando ou equacionando os registros teórico, autobiográfico e narrativo), mas intensamente coeso quanto à questão perseguida, o livro se debruça sobre trajetórias de vidas e analisa momentos de ruptura radicais. Em que condições uma pessoa pode se transformar? Que práticas existenciais propiciam ou impedem uma transformação psíquica?

Como descreve Nuno Ramos, “o livro pergunta essencialmente (e quase deseja) por uma crise. Inominável, disforme, completa, essa crise ronda como um eco de fundo cada frase e cada raciocínio, e é seu elemento verdadeiramente unificante, a um só tempo pessoal e cultural. O mundo descrito por Francisco Bosco quer quebrar-se, ou está prestes a.”

Mirando obssessivamente os momentos e as condições de grandes transformações, trata-se de um livro que não deixa de compartilhar o interesse primordial do gênero autoajuda – chegando, contudo, a uma conclusão diametralmente oposta: o movimento que precede uma ruptura radical é aquele de um pensamento negativo, capaz de sustentar um incômodo e impedir que seu potencial transformador se desperdice sem a direção e o conteúdo necessários.

À maneira dos relatos de casos clínicos pela psicanálise, o livro tem a concretude como método: por que Kafka não pôde se livrar da opressão tirânica de seu pai?, por que Arnaldo Baptista passou da infância à melancolia, e daí a uma aparente tentativa de suicídio?, por que uma ascese parece ser condição necessária para a realização e sustentação de um ato transformador?, por que o ciúme pode, em certas condições, revelar-se uma via insuspeitada de reinvenção do eu?

Os conceitos fundamentais de que se vale o livro são egressos da psicanálise. Mas, antes disso, esses conceitos remetem a problemas que não são exclusivos da psicanálise ou de qualquer outro campo de saber; os problemas são sempre da vida, os conceitos é que pertencem a territórios discursivos. Esse livro compartilha com a psicanálise o interesse por determinados problemas. Mas, nele, o diálogo primordial é com esses problemas, e não com a psicanálise.

O filósofo Gilles Deleuze dizia que, se não formos capazes de remontar as abstrações aos problemas de que elas se originam, a teoria não serve para nada. Pois bem, E livre seja este infortúnio é um livro fiel a essa perspectiva, a qual entende que os conceitos são meios – a vida é que é o fim.

Excelente entrevista da jornalista Karla Monteiro que saiu hoje no Segundo Caderno d”O Globo.
RIO – A janela da sala emoldura a Rocinha. E as paredes são forradas de livros. O antropólogo Luiz Eduardo Soares tira da estante obras simbólicas do jornalismo de guerra: “Despachos do front”, de Michael Herr, e “O gosto da guerra”, de José Hamilton Ribeiro. Ele diz adorar os livros que narram, usando a técnica do jornalismo literário, histórias de violação dos direitos humanos, de tragédias sociais. E escrever obras assim virou seu lema.
– A cultura pode se comunicar com a realidade social e política numa pulsação surpreendente – comenta. – A população se emociona. Em função dessa emoção os agentes políticos intervêm.
Professor, cientista político e ex-coordenador de segurança do governo Garotinho, Luiz Eduardo acaba de lançar – no mesmo dia em que “Tropa de elite 2” chegou aos cinemas – “Elite da tropa 2”, escrito com os policiais André Batista e Rodrigo Pimentel e com o delegado Cláudio Ferraz. Segundo ele, um dos autores também do primeiro “Elite da tropa”, o livro não é o filme. Mas também vai causar barulho, ao mergulhar no barrento rio das milícias, que considera “o pior tipo de crime organizado”.
“Tropa de elite 2” já levou aos cinemas mais de quatro milhões de pessoas. A expectativa é que chegue a seis milhões até o final de semana, igualando-se ao recordista da retomada, “Se eu fosse você 2”, de 2009. Em entrevista ao O GLOBO, Luiz Eduardo explica porque filme e livro vão além do entretenimento. E decreta:
– O tráfico já era.

Qual é a relação entre “Tropa de elite 2” e “Elite da tropa 2”? Quem nasceu primeiro?

LUIZ EDUARDO SOARES: Os dois trabalhos foram feitos simultaneamente, em diálogo. O diálogo pressupõe autonomia, com similitudes e diferenças. Alguns personagens são comuns, algumas tramas são compartilhadas. Mas tem muita coisa diferente.
Como surgiu a ideia do livro?
Só decidimos fazer o livro quando o Cláudio Ferraz entrou no projeto. Ele é o delegado titular da Draco, a Delegacia de Repressão ao Crime Organizado. E conhece profundamente a atuação das milícias no Rio. Sem ele não seria possível.
Você já tinha familiaridade com a atuação das milícias?
Antes de começar o trabalho, eu já identificava as milícias como a maior ameaça ao Estado democrático e de direito, o pior tipo de crime organizado, porque envolve polícia e política: policiais corruptos protagonistas da ação criminosa que atuam diretamente no Legislativo. O “Elite da tropa 2”, porém, não se reduz a contar essa história. Os elementos fundamentais da atuação da milícia estão expostos, é o centro, mas trabalhamos muito as questões subjetivas, afetivas, morais dos personagens policiais.
O livro não narra a história cronológica das milícias no Rio. Foi uma estratégia?
A gente evitou justamente a aproximação com um relatório, uma pesquisa. Nossa ideia foi pegar o leitor pela mão e levá-lo para o coração do redemoinho, para que cada um se sinta diretamente concernido, corresponsável pela busca de saídas.
Você considera as milícias um problema maior do que o tráfico de drogas?
Começamos o livro assim: “Acorde. O tráfico já era. A milícia é uma realidade que se impõe. E é a grande ameaça à segurança pública.”

Mas o tráfico também é uma grande ameaça à segurança pública…

Os traficantes são muito jovens, pobres, nunca saíram da favela, não têm formação profissional, não têm capacidade administrativa, não têm visão de futuro, não têm projeto político… Os milicianos são homens de 30, 40 anos, geralmente policiais, profissionais formados, treinados, com conhecimento técnico, com capacidade administrativa e financeira, que se organizam para ocupar espaços políticos na Câmara Estadual e Câmara Federal.
Porque você diz que “o tráfico já era”?
As milícias são muito mais lucrativas. O tráfico é um negócio específico, com nicho de mercado. E as milícias trabalham com todas as possibilidades que a economia local oferece. Trabalham também eventualmente com drogas. Existe a ideia de que milicianos matam os traficantes e libertam as comunidades. Mentira. Eles preferem lugares abandonados. E fazem acordos quando o tráfico local é frágil. Os traficantes até trabalham para os milicianos.

Você poderia contar alguma passagem do livro, algum caso específico que ilustre a atuação da milícia?

Tem uma história sobre um conjunto habitacional da Caixa Econômica Federal. Do ponto de vista do banco, os apartamentos foram ocupados ilegalmente. Só que as pessoas compraram seus apartamentos e pagaram aos milicianos. E a milícia, não satisfeita, cobra taxas para o funcionamento do condomínio, explora o transporte, os serviços, tudo. E ainda criou uma associação de moradores para lutar contra o banco. É surreal.

ótimo e necessário texto do artista Nuno Ramos que Saiu na Ilustríssima (FSP) de domingo.

Bandeira branca, amor
Em defesa da soberba e do arbítrio da arte
NUNO RAMOS

resumo
Alvo de protestos de pichadores, jornalistas e militantes da causa animal, o trabalho “Bandeira Branca”, de Nuno Ramos, foi desmontado na 29ª Bienal de São Paulo, por determinação do Ibama, que o havia autorizado. O artista faz uma defesa da legalidade da obra e reflete sobre consensos e rupturas inerentes à atividade artística.

PROCUREI INTENCIONALMENTE matar três urubus de fome e de sede no prédio da Bienal de São Paulo. Pus ali imensas latas cheias de tinta escura, para que se afogassem, além de espelhos, para que batessem a cabeça durante o voo. Construí túneis de areia preta, para que entrassem sem conseguir sair, morrendo ali dentro. E, para forçá-los a voar, costumo lançar rojões em sua direção.

ACUSAÇÕES Como nos pesadelos ou nos linchamentos, não é possível responder a acusações desta ordem, que circularam pela internet e no boca a boca com força insaciável nas últimas três semanas, criando um caldo de cultura próximo à violência e à intimidação. Como resultado disso, em plena Bienal, entre faixas pedindo que eu fosse preso, meu trabalho foi atacado por um pichador, que driblou a segurança, rasgou a tela de proteção aos bichos e danificou uma das esculturas de areia.
Fomos cercados, eu e minha mulher, por militantes ecologistas, que nos xingavam e gritavam do outro lado do vidro do carro, a boca em câmera lenta, “a-li-men-ta-e-les!” -o que, claro, já havia sido feito naquele mesmo dia. Barbara Gancia, colunista da Folha, chegou a pedir, utilizando um imaginário de repressão militar ou de milícia fascista, que eu fosse colocado de cuecas contra um muro e submetido a uma ducha com as mangueiras para incêndio do corpo de bombeiros.
Ingrid E. Newkirk, presidente da organização não governamental Peta [pessoas pelo tratamento ético de animais, na sigla em inglês], num artigo feroz, publicado na Folha em 8/10, encontra apenas o que pressupõe desde o início: que eu quero aparecer (ela, não? alguém duvida que um dos temas da polêmica é justamente a disputa pelo espaço na mídia?); que sou (os termos são dela) cruel, “bad boy”, sem compaixão e produtor de arte de má qualidade. Como não há argumentos e o raciocínio é circular, tudo retorna à ilibada consciência da articulista.
A notícia atravessou fronteiras raras para questões envolvendo arte (horários insuspeitos em todos os canais de TV, cadernos de jornal pouco afeitos à cultura e nas mais diversas regiões do país), passando a assunto de bar e padaria. Os urubus, definitivamente, haviam conseguido escapar e, para usar os versos de Augusto dos Anjos, pousaram na minha sorte.

TOM Frequento uma área da cultura afastada dessa luz radioativa, e não quero errar o tom. Começo este texto, portanto, fazendo a minha lição de casa: o que quer que tenha acontecido, aconteceu por meio das instituições. A licença do Ibama de Sergipe, que permitiu o transporte e a exposição dos animais, era legítima e dentro de parâmetros absolutamente legais, bem como sua cassação pelo Ibama de Brasília.
Tentamos, eu e a Fundação Bienal, que me apoiou de todos os modos possíveis em defesa do meu trabalho, uma liminar na Justiça e perdemos. Acatamos e tiramos, no mesmo dia em que a decisão liminar saiu, as três aves. Sinto-me coibido, injustiçado e chocado com tudo isso, mas não posso dizer que fui censurado. E por entender que a forma que destruiu meu trabalho ao tirar as três aves é legítima, quero divergir completamente dela.
Como quase nenhuma informação sensata circulou, tenho primeiro que dizer o óbvio:
1) As aves que utilizei em meu trabalho são aves nascidas em cativeiro, e não sequestradas ao habitat natural; é para este cativeiro que voltaram (e onde estão neste momento), quando foram “soltas” do meu trabalho;
2) Pertencem ao Parque dos Falcões (criadouro conservacionista que funciona com autorização do Ibama, realizando atividades educacionais e pedagógicas, pelo Brasil inteiro, com aves de rapina), que as mantêm em exposição para o público, como num zoológico;
3) Estas mesmas três aves participaram em 2008 de uma versão bastante similar deste trabalho, no Centro Cultural Banco do Brasil de Brasília, durante dois meses, adaptando-se perfeitamente ao espaço e sem nada sofrer, com plano de manejo aprovado pelo mesmo Ibama;
4) As aves foram adaptadas ao espaço da Bienal antes do início da mostra, com a presença do veterinário responsável por elas e de um tratador;
5) Esse tratador, o mesmo que cuida delas em Sergipe, ficou permanentemente com elas durante todo o tempo de exibição das aves ao público, literalmente abrindo e fechando a mostra:
6) Eram alimentadas por ele todas as manhãs, em quantidade e frequência estipuladas pelo plano de manejo;
7) O volume das caixas de som foi controlado, sendo mantido numa altura bastante inferior ao do murmúrio do público, para evitar estresse aos bichos;
8) O plano de manejo das aves, aceito pelo Ibama de Sergipe, foi revogado, já no meio da polêmica, pelo Ibama de São Paulo -mas sem recomendação de cassação. O que o laudo técnico, sério e sisudo do Ibama de São Paulo solicitava eram ajustes -basicamente, que desligássemos uma das caixas de som e que instituíssemos banhos de luz ultravioleta todas as manhãs, para suprir a falta de luz solar direta sobre os bichos (embora a luz do dia banhasse o espaço). Oferecia, ainda, uma licença de 15 dias, a ser prorrogada de acordo com a avaliação periódica sobre o bem-estar dos animais. O Ibama de Brasília, que, sob pressão política e midiática, determinou arbitrariamente a saída das aves, em desacordo com o laudo do Ibama de São Paulo, travou o que parecia ser um processo rico de colaboração entre técnicos sérios, com conhecimento sobre os animais, e um trabalho de arte;
9) Obtivemos laudo favorável do Departamento de Parques e Áreas Verdes da Prefeitura de São Paulo;
10) Técnicos do setor de aves do Zoológico de São Paulo, em vistoria ao trabalho, não manifestaram qualquer crítica específica ao manejo das aves -fiquei sabendo nesta visita, inclusive, que a jaula dos urubus era bem maior que qualquer jaula do zoológico, inclusive a do condor.

EXPIAÇÃO Por que, então, tanta confusão? Que é que está sendo expiado aqui?
Para começo de conversa, e como aproximação ao problema, quero lembrar que “Bandeira Branca” não é um trabalho de ecologia, nem eu sou especialista em aves de rapina, assim como “Guernica” de Picasso não é apenas um trabalho sobre a Guerra Civil Espanhola, nem Picasso um historiador. Por isso utilizei os serviços de uma entidade ecológica, o Parque dos Falcões, e obtive, tanto na montagem em Brasília, em 2008, quanto em São Paulo, autorização do órgão legal em meu país para esses assuntos.
Ou a lei não vale para todos? Tratar meu trabalho como crime e a mim como criminoso é fazer o que fazia a direita franquista, ao chamar “Guernica” de quadro comunista, ou a aristocracia francesa da segunda metade do século 19, quando ameaçava retalhar a “Olympia”, de Manet, em nome dos bons costumes.
O que me foi negado com a criminalização do meu trabalho foi a possibilidade de um sentido -o sequestro, digamos, de qualquer sentido que ele pudesse propor. E é contra isso, mais do que contra a boataria e a calúnia, que escrevo hoje.

VALORES Arte não cabe nos bons nem nos maus valores, por mais confiança que se tenha neles. Dela emana um signo aberto, para isso foi inventada, para que fanatismos como os que ouvi nessas últimas semanas não circunscrevam completamente o possível da vida. Claro que ninguém está acima da lei, e, repito, cumprimos, artista e instituição, rigorosamente a legislação ambiental brasileira -mas é a possibilidade de pensar diferente que está sendo criminalizada aqui.
Artistas extraordinários como Joseph Beuys (por sinal, fundador do Partido Verde na Alemanha), Jannis Kounellis, Hélio Oiticica, Nelson Felix, Tunga, Cildo Meireles, utilizaram animais em suas instalações. Provavelmente o trabalho de Beuys que inclui um coiote (“I Love America and America Loves Me”) seja, sem nenhum favor, uma das mais importantes obras de arte do século 20.
“Tropicália”, de Hélio Oiticica, que tem araras vivas em seu interior (curiosamente, exposta há poucos meses, com as aves, no prédio do Itaú Cultural de São Paulo, na avenida Paulista, sem despertar qualquer polêmica), é um trabalho fundamental para a compreensão do que somos e do que queremos ser. Negar o que estes artistas conseguiram com seus trabalhos -uma oxigenação radical de nosso imaginário- tratando-os como criminosos certamente seria regredir a épocas de triste memória.
Posso entender quem seja contra bichos em cativeiro. Seria interessante exigir um pouco de coerência dessa posição -ou seja, vegetarianismo radical, já que a quase totalidade da carne que comemos vem de animais em cativeiro, fechamento de todos os zoológicos, jóqueis-clubes, fazendas com animais para monta e, ainda, requalificação geral de nossas relações com bichos domésticos. Mas, mais do que coerentes, gostaria que fossem suficientemente democratas para aceitar que nem todos pensem como eles, nem todos se deem o lugar de xamãs, em contato íntimo com os desejos e sensações dos animais, e que dentro das regras públicas legais de cada país o acesso a esses animais possa se dar sem histeria nem calúnias.

BANDEIRA BRANCA Como nada ou quase nada se falou sobre o trabalho, peço licença para interpretar o que eu próprio fiz, partindo de uma breve descrição. “Bandeira Branca” (este título, no meio de um bombardeio desses, é dessas coisas que só a arte explica) foi montado pela primeira vez há dois anos, no CCBB de Brasília, e agora, ampliado e modificado, recebeu uma segunda versão, especialmente para a 29ª Bienal.
O trabalho consiste em três enormes esculturas de areia preta pilada, foscas e frágeis, a partir de cujo topo, feito de mármore, três caixas de som emitem, em intervalos discrepantes, as canções “Bandeira Branca” (de Max Nunes e Laércio Alves, interpretada por Arnaldo Antunes), “Boi da Cara Preta” (do folclore, por Dona Inah) e “Carcará” (de João do Vale e José Candido, por Mariana Aydar). Três urubus vivem na instalação durante toda a duração do trabalho.
O resultado é uma cena solene, entre a litania e a canção de ninar, que me parece ter cavado, em sua montagem em São Paulo, uma espécie de buraco negro no prédio da Bienal. Acho que o vão do prédio, uma das obras mais felizes de Niemeyer, com sua velocidade e otimismo, ganhou com meu trabalho um contraponto ambivalente, noturno e encantado, triste mas também próximo do mundo dos contos de fada.
Há uma espécie de espiral ascendente no trabalho, que se desmaterializa conforme o espectador sobe a rampa do prédio e as pesadas colunas de areia se transformam na geometria de quem vê as esculturas de cima. Feito primeiro de areia, depois de mármore, depois de vidro, depois de som, depois de voo, o trabalho faz em seu percurso o mesmo que as aves, num ciclo que a chuva de fezes brancas, caindo sobre as peças e sobre o chão, inicia novamente.

ANTIPENETRÁVEL Mas o ponto crucial, acho eu, é que, apesar da monumentalidade do trabalho e da textura inacabada da areia, que solicitam o corpo do espectador, o público é mantido fora da obra, numa espécie de antipenetrável. A obra de certa forma já foi ocupada, já tem dono e por isso não podemos nos aproximar. A noite, as canções e os urubus são seus donos, e ao público resta assistir de fora a alguma coisa viva, que não precisa dele.
As canções e os bichos, forças ascensionais contra a inércia e o peso das esculturas, já tomaram conta da obra e a tela de proteção, que materializa o desenho do vão do prédio, marca essa passagem entre um exterior institucional e um interior ativo, fechado em si, mistura de cultura (canções), natureza (os urubus) e arquitetura.
As aves e as canções dão ao trabalho o seu agora, uma duração voltada para algo indiferente ao mundo lá fora. Daí que muita gente tenha me dito que se sentia observado pelas aves e não observador, dentro da grade e não fora dela. E que no meio de tanto tumulto, com certeza as três aves pareciam as únicas tranquilas.
Esta atividade interna autossuficiente está no coração deste trabalho e me acompanhou ao longo da balbúrdia destes dias difíceis. Fico feliz de perceber que de certa forma o trabalho já pressupunha isso, falava disso e defendia-se exatamente disso -queria estar consigo e não conosco, longe da barulheira que no entanto causava.

AUTOSSUFICIÊNCIA Em vez da atividade do espectador, própria de tantas das melhores obras modernas, e que encontrou entre nós uma formulação extrema na ideia dos “Penetráveis” de Hélio Oiticica, a arte contemporânea parece estar se voltando para dentro, numa autossuficiência renitente.
Não é o lugar para desenvolver isto, mas, para dar dois exemplos memoráveis, acho que as “Elipses”, de Richard Serra, apoiadas em si mesmas e não mais nas paredes das instituições, ou “O Ciclo Creamaster”, de Matthew Barney, com suas infinitas dobras e relações internas, partilham esta característica. Meu trabalho acompanha de certa forma essa direção.
A institucionalização crescente da arte trouxe para junto dela uma pletora de discursos institucionais, todos perfeitamente centrados, seguros de si e disputando espaço na mídia e nas oportunidades orçamentárias. Isso vem, talvez, do estilhaçamento das grandes noções universais que acompanharam a formação do mundo moderno: política, religião, burguesia, proletariado, luta de classes, direita, esquerda etc.
Com a quebra dessas noções universais, os particulares (ecologia, minorias étnicas, minorias sexuais etc.) firmaram-se, cheios de si, pontudos, zelosos de suas verdades. A arte talvez seja a última experiência universalizante, ou ao menos não simétrica à discursividade do mundo, e acho que tende a ser cada vez mais atacada, toda vez que discrepar, como soberba e como arbítrio. Mas penso que é isso mesmo que ela deve manter: sua soberba e seu arbítrio, para que possa continuar criando.

DESFAÇATEZ Pois isso para mim foi o mais impressionante de tudo: a absoluta incapacidade, digamos, interpretativa de quem me atacou, a recusa de ver outra coisa, de relacionar o sentimento de adesão ou de repulsa que meu trabalho tenha causado com qualquer coisa proposta por ele, em suma, a desfaçatez com que foi usado como trampolim para um discurso já pronto, anterior a ele, que via nele apenas uma possibilidade de irradiação.
Para isso, é claro, o principal ingrediente é que fosse tomado de modo absolutamente opaco e literal, espécie de cadáver sem significação. Para que possa ser veículo estrito de discursos e de grupos, sem que utilize seus recursos, digamos, naturais (sedução, desejo, ambivalência), o trabalho de arte tem de estar, de fato, desde o início definitivamente morto. Daí, creio, a ferocidade com que fui atacado -uma espécie de operação higiênica preventiva, para impedir que qualquer germe de espanto, ambiguidade, beleza, estupor, pudesse aparecer, desqualificando o desejado consenso.
No fundo, acho que a frase famosa de Frank Stella, que jogou uma pá de cal nas ilusões subjetivas de começos dos anos 60 e inaugurou as poéticas minimalistas que duram até hoje, “What you see is what you see” (“O que você está vendo é o que você está vendo”), parece ter migrado da arte para o mundo. A literalidade das obras de um Carl Andre ou de um Donald Judd transferiu-se inteira para as instituições e para o público.
Por isso talvez caiba hoje à arte a tarefa bastante simples, mas tão difícil, de dizer exatamente o contrário: “O que você está vendo NÃO é o que você está vendo”. Ou seja, sonhar. Ou, como diz a letra da canção, “Bandeira branca, amor”.

Em 2002 fiz minha primeira exposição individual em São Paulo no Gabinete de Arte Raquel Arnaud. Chamava-se Portátil – 98/02 e reunia seis trabalhos realizados entre os anos de 1998 e 2002. O conjunto de obras afirmava a pluralidade de meios que sempre marcaram minha produção desde o início. Para o folder da exposição escrevi esse pequeno texto aí embaixo:

Veículo Rastreado
“Não precisa de mais nada. Não precisa de ninguém. Linhas no computador. Cinco imagens na tela em frente ao nariz. Dois cartões no bolso traseiro esquerdo, um vermelho e um amarelo. / Cupim come a madeira. Música com buracos. / Os talentos precoces amadurecem lentamente, quando amadurecem / Poucos amigos. Péssima pescaria. Sangue ruim. / Disse que não vai se repetir. Tudo irrita. A pele queima. Liga a televisão duas vezes. O soldado que nunca lutou, o atleta que nunca competiu. / Estará lá novamente quando voltar. Trinta dias, seis cidades diferentes. / Acorda perto da Central do Brasil sem documentos e sujo. Volta até o cinema da noite anterior. Onibus e depois barca até Niterói. Encontra a mãe morta. Pára e pensa. Não tem dinheiro. Nenhum. / Na parede: o chão. Na janela: o poste. Vai cortar o cabelo e diz que ama o aprendiz. Comprou uma máquina fotográfica. Idéia nova (zero). /Poltrona da sala de estar. A lembrança de uma criança. Em casa permaneço lendo o campo, o campo do futebol. /Ruído. Segura minha mão. Tudo vai explodir. Alguém desce pelas escadas correndo. O dia está amanhecendo. As estrelas vão embora. Ninguém se importa. Existe diferença. /Banco do bar. Banco do assalto. / Pais olhas seus filhos. Nervosos. Vão descobrir um caminho melhor, longe das drogas. As boates de sacanagem não prestam mais. Tudo vai melhorar no ano que vem. / Tristes e tortos, todos foram feitos de borracha.”

O Fotógrafo Wilton Montenegro mandou ontem esse texto do Paulo Sérgio Duarte que foi publicado no Globo impresso na pag. 7.
Lá vai…


GLOBO ONLINE: OPINIÃO

Publicada em 21/09/2010 às 18h09m
PAULO SERGIO DUARTE

Desde 1985, com a criação do Ministério da Cultura, há um problema na formulação das políticas públicas de cultura: fomos levados a um divórcio entre educação e cultura. O novo ministério serviu bem como balcão de atendimento às reivindicações das diversas corporações culturais, atende artistas e produtores e nos últimos oito anos ampliou essa assistência a um público que nunca teve acesso ao Estado. As leis de incentivo à cultura por meio da renúncia fiscal podem ser aperfeiçoadas, mas funcionaram. Entretanto, a questão crucial não foi enfrentada desde 1985: a participação da cultura na formulação das políticas públicas educacionais. E vou mais longe: a participação da cultura em projetos sociais, como os de urbanismo e habitação e os de alimentação. O fato é que a política cultural não pensa a nação fora do gueto das diversas corporações, algumas com lobistas profissionais.
O caso da distância da cultura dos projetos educacionais é o maior problema. O forte investimento que o Brasil fizer em educação nas próximas décadas terá resultados lamentáveis se mantidos os paradigmas atuais. Só se pensa na capacitação técnico-científica e o problema não se resolve ao embutir nos currículos disciplinas artísticas como arte, música e dança. Isso é necessário, mas não suficiente. Trata-se de formar os professores das mais diversas disciplinas – matemática, ciências, línguas, história, geografia, educação física – com ênfase nos aspectos culturais que podem ser explorados em seus projetos didáticos. Os laboratórios de currículos das secretarias de educação têm que ser capacitados para isso. Quando existem, não estão preparados e isso deverá ser objeto de um investimento rigoroso. É todo um processo que se constitui num grande desafio para a política cultural das próximas décadas. O cidadão do mundo contemporâneo resolverá melhor suas dificuldades se junto com a especialização tiver uma percepção adequada da complexidade local e global, ou como se costumava dizer, em termos mais antigos, das particularidades e da totalidade. A formação de professores bem remunerados deverá ser a atenção primordial, mas sem a dimensão cultural e a habilidade de tratá-la em diferentes disciplinas pouco adiantará para melhorar o que vem por aí.
O caso da ausência da dimensão cultural na formulação dos projetos sociais aponta para as tragédias que estamos construindo. Tomemos o exemplo mais banal do urbanismo, da habitação e do saneamento. Encontrado um terreno plano, traça-se um projeto ortogonal, de vielas ou ruas verticais e horizontais, que se entrecruzam, e lá são construídas habitações de arquitetura pífia. Para quem mora embaixo da ponte é um ganho enorme, mas levar o miserável a habitar um verdadeiro campo de concentração forma cidadania? Porque não pensar todos, literalmente todos os projetos de habitação popular, como locais aprazíveis, com desenho de ruas agradáveis, um projeto de paisagismo com arborização adequada, locais de lazer e equipamentos de saúde, de educação e cultura necessários para uma vida pobre mas digna dentro das novas exigências de sustentabilidade e respeito ao meio ambiente? O que se constrói hoje é uma indústria da depressão e da marginalização da população pobre, locais vulneráveis à violência e a toda forma de achaques, de traficantes, de milícias, de funcionários corruptos e de políticos demagogos. A redução de custos desses projetos, a médio prazo, custa muito mais caro a toda a sociedade.
E não esqueçamos que é tempo de a dimensão cultural entrar na política de alimentação. Pode parecer absurdo, mas depois do Fome Zero é importante pensar na qualidade da alimentação num processo de educação alimentar das populações mais pobres, e, de novo, a política cultural terá que encontrar um nicho para se meter nesse assunto: o que comem os brasileiros pobres.
Esses são desafios para uma política cultural mais abrangente do que a que vem sendo executada há mais de duas décadas. Sem uma sinergia positiva entre os diversos ministérios e o Ministério da Cultura não sairemos dos limites atuais. E essa sinergia só se produzirá a partir da vontade expressa do futuro presidente da República, como plano permanente de governo. 

PAULO SERGIO DUARTE é professor e pesquisador do Centro de Estudos Sociais Aplicados da Universidade Candido Mendes. 

peguei isso lá no blog oficial da exposição

Ding Musa registra bastidores da Paralela 2010

Está quase tudo pronto no Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo para a inauguração da Paralela 2010. Os artistas trabalharam duro nestes últimos dias na finalização da montagem de suas obras.   
No último final de semana, o fotógrafo Ding Musa, que participa da 5ª edição da mostra, esteve nos galpões do Liceu e registrou os bastidores, dias antes da estreia. Confira nas fotos abaixo um pouco do que será visto na exposição, que apresenta trabalhos de 82 artistas.
A abertura da Paralela 2010 (para convidados) acontece nesta quarta-feira, dia 22, a partir das 17h. O público poderá visitar a mostra entre os dias 23 de setembro e 28 de novembro, com entrada gratuita.