As dimensões do traço: MAM abriga megaexposição de Carlos Vergara
Texto do Carlos Helí de Almeida no Jornal do Brasil online.
RIO DE JANEIRO – Ainda em seu estúdio em Santa Teresa, uma escola transformada em ateliê, Carlos Vergara vai logo avisando que não gosta de mexer em gavetas, de “olhar para trás, ou para o próprio umbigo”. É por isso que o artista plástico gaúcho de 67 anos faz questão de ressaltar que a exposição Carlos Vergara: A dimensão gráfica – Uma outra energia silenciosa, conjunto de 200 trabalhos realizados pelo artista ao longo das últimas cinco décadas que ocup o espaço monumental do Museu de Arte Moderna (MAM) a partir de quinta-feira, não deve ser vista como uma retrospectiva.
– Fiquei conhecido como pintor, apesar de trabalhar com diferentes suportes e processos de produção. Essa exposição quer revelar um aspecto que tem sido sombreado por essa reputação, que é a do artista com um linha gráfica muito forte, característica constante da minha trajetória – informa Vergara, antes de reunir sua equipe e partir em direção ao MAM, para mais um dia de montagem. – É por isso que a exposição tem poucas coisas produzidas nos anos 80, período em que me dediquei quase exclusivamente à pintura.
Da década devotada a experiências pictóricas, só alguns dos croquis que as originaram passaram pelo crivo do colecionador Goerge Kornis, curador da mostra. A proposta era justamente essa, dar destaque a linguagem gráfica que atravessa a produção de Vergara, presente em desenhos, monotipias, fotografias, gravuras, instalações e peças em três dimensões. A exposição receberá obras nunca mostradas antes aos cariocas, como a Capela do Morumbi (1992), formada por quatro monotipias em papel de poliéster de 5 x 8m, presas a uma estrutura de ferro que lembra traves de futebol.
– As monotipias da Capela serão iluminadas pelos dois lados por luzes presas ao teto, para dar a ilusão de transparência. E as pessoas poderão circular livremente entre elas. Eu a chamo de Assim caminha a humanidade – brinca o artista, apontando para as pegadas e marcas de pneus de bicicleta dos auxiliares envolvidos com a feitura das monotipias. – Meus trabalhos costumam incorporar contribuições humanas ou os sinais da passagem do tempo.
A exposição não foi montada segundo um critério cronológico, mas em torno de temas presentes na produção de Vergara: indivíduo e coletividade; espaço e tempo, cor e forma, e os materiais usados pelo artista. A Capela do Morumbi ocupará o centro do primeiro andar do museu. As paredes do espaço monumental, de pé direito muito alto, serão ocupadas por monotipias de grandes dimensões, os registros fotográficos dos carnavais do Cacique de Ramos, realizados entre 1972 e 1976. Ao fundo ficará outra peça grandiosa: o painel de desenhos feito para a Bienal de Veneza, em 1980.
A obra, com 20 metros de comprimento, só foi vista no Rio uma única vez, e para um público bastante restrito. Vegara a montou para amigos no palco do Canecão numa segunda-feira, dia de descanso do espetáculo Saudades do Brasil, de Elis Regina – ele criara a capa do disco e o cenário do show homônimo da cantora. Era a única chance de vê-la montada por inteiro antes de embarcar para a Itália. Depois disso, o painel da Bienal de Veneza só foi mostrado uma vez naquele mesmo ano, numa galeria paulista, e durante uma retrospectiva sobre o artista em Porto Alegre, em 2003.
As duas salas do espaço monumental serão ocupadas por trabalhos em papel, como desenhos, fotografias e gravuras, como as da série 5 problemas 5 estampas, que inspirou um documentário que está sendo realizado pela produtora Matizar. A exposição A dimensão gráfica – Uma outra energia silenciosa, que fica em cartaz até 12 de março, reconhece também o valor da faceta pop do artista, que desenvolveu capas de livros, discos e painéis para empresas particulares, como a Varig, entre o final dos anos 60 e a década de 70. Numa época em que a arte podia funcionar como instrumento de conscientização política, Vergara criou para nomes da literatura, como Antônio Callado, Julio Cortázar e Ed McBain, e da música popular brasileira, como Elis Regina, Fagner, Edu Lobo, Ritchie, MPB4 e até o Trio Elétrico de Dodô e Osmar.
– Nos anos 60, havia um esforço de difusão da arte em duas frentes. Até em função da repressão da ditadura na época, os trabalhos podiam ter um cunho político muito forte. Alguns eram bastantes panfletários, uma forma de discutir ideias antifacistas. Por outro lado, também os artistas plásticos investiam em trabalhos que pudessem ser multiplicados, em séries de 200 e 300 peças, o que tornava a arte mais acessível. Comprava-se arte para dar de presente de aniversário, de casamento – lembra Vergara, um dos fundadores das feiras itinerantes que resultaram na criação da feira de Ipanema.
17:39 – 07/11/2009