http://objetosimobjetonao.blogspot.com/

FREDERICO COELHO (jovem pai curador assistente do museu de arte moderna dj miró e outras coisas mais) colocou o texto abaixo la no blog dele. texto bom pra caralho.

fábula sobre o tempo

as vezes você acorda e olha o tempo. ele é o mesmo, o mesmo, o mesmo. mas diferente. as vezes você acorda e pisa no chão com o pé direito. sua vida se expande em segundos. se esvai nos olhos carinhosos e perdidos dos cães. na rua, as coisas avançam selvagens. belas pessoas morrem. sonhos tornam-se fogo na madrugada. acumulando raiva e rancor. você olha o dia: mais um. e o tempo? passarinho Bandeira, boitempo Drummond, lâmina Cabral, o tempo preciso e exato, poético, do baterista. domine o tempo, diz o signo. guarde o tempo, diz o ofício. abandone o tempo, diz a morte. ame como nunca o tempo, dizem as filhas. o tempo atravessa e de repente você olha o jovem que um dia foi você e ele não é mais você. você é o outro. cruza a linha e se der sorte, entende e se torna uma pessoa mais leve, menos urgente, mais presente consigo mesmo. seus parentes envelhecem em flor e beleza. seus amigos ficam longe, mas cada dia mais profundos em seu coração. a presença da pessoa amada torna-se a forma mais saudável, inteligente e feliz de estar no mundo. pois o tempo carcome, espiral Lispector, absurdo Cortázar, embriaguez Nelson Cavaquinho. o tempo faz com que você se choque quando você lê a frase do escritor no livro que fala sobre perda e morte em cada página, a frase “era um homem de 30 anos”. o mundo é dos jovens, somos tão jovens, quem não é jovem? quem quer ser jovem? historinha exemplar ouvida na esquina da conde de irajá na barraca do chaveiro tricolor: o tempo senta-se em uma mesa de bar e começa a explicar como a história evapora, como a crença salva, como o homem acredita na mesma ladainha, a mesma ladainha, todos os dias. o tempo, já com quatro rabo de galo na mente explica como ele nos obriga a olhar o relógio. comer. vestir. olhar o céu. ônibus. fúria. asfalto. árvore. dinheiro. rango. vaso. todos os dias. o tempo arrota de que valem os quilos de livros as horas de imagens as hordas de palavras ao vento o trabalho diário a arquitetura de vidro os grandes prados mortos as cruzes Malévitch as ruas desertas e sujas, os papéis rasgados e queimados Torquato a calma esplendor Caymmi os silêncios urbanos entulhados de ruído Cage o prazer do texto Barthes o lugar público Agrippino a coisa e lôsa o pá e pum o bricbrac o xenheném o vem que tem o vai que é tua o nheconheco o sinira o caô o transtorni o crazy ballhead o cascudo o funesto o malungo o tempo glorioso do curtume carioca de olaria das lojas elite da praça das nações do café capital do judô no sesc de ramos da batata em redinha vermelha do sabará da vila cruzeiro da linha do trem da casa de praia de muriqui da pipa avoada da marimba do golzinho do pique pega do pique bandeira do pique esconde do pau a pique o tempo batia na mesa e bravatava do que vale todos os sons que ruminamos no bom dia oi e aí tudo bem e eis que de repente um senhor espacial paramentado com o capacete das vibrações positivas e mil espelhos que refletidos viram dez mil espelhos para quem o olha diz em dialeto burning spear para o tempo: silêncio. com os olhos fixos e em brasa fumaçando mirando bem no oco do tempo ele diz você, meu caro, você, para mim, é matéria-prima. eu te domino, eu te atraso eu te avanço eu te pulo eu te esfumaço eu te esgano eu te eco eu te brenfa eu te teco eu te benção eu te reto eu te curvo eu te amo. o tempo descontrolado pergunta pelos quatro cantos do mundo quem é o homenzinho que o desafia e o homenzinho responde, baixinho sorrindo quase calado: my name is lee scratch perry.

Comments are closed.