A “Cidade da Música” de uma nota só
Artigo do designer italiano, Roberto Galisai, e do arquiteto brasileiro, Tuti Giorgi, publicado no “Giornale dell‘architettura”, periodico de Turim, Italia, em fevereiro de 2009, seção de urbanismo.
O “Giornale” è uma publicação com circulação entre pensadores e especialistas da área de arquitetura, design e cultura.
«Grandeur» brasileira
A “Cidade da Música” de uma nota só.
Inaugurado antes de sua conclusão o complexo de Christian de Portzamparc no Rio de Janeiro.
A prática de inaugurar obras incompletas è habitual nos políticos de todo o mundo.
Em fins de dezembro passado o então Prefeito do Rio, próxima da entrega do cargo, tratou de inaugurar a inacabada “Cidade da Música”, a fim de de poder associar o próprio nome com a obra monumental que o levou a comparar-se com o grego Péricles, fundador do Partenon.
O uso político e inadequado dos recursos públicos gerou muias polêmicas em torno do complexo projetado para abrigar a OSB – Orquestra Sinfônica Brasileira e atividades em torno ao tema.
A empreitada da obra faraônica de 96.000 metros quadrados atrasou em quase 3 anos, seus custos cresceram mais de 400% chegando perto dos U$ 400.000.000, até agora. E tudo isto para um trabalho ainda inacabado.
Mas que já suscita a idéia de uma oportunidade (cara) perdida. Por ao menos três razões:
Primeira: a riqueza musical brasileira não está fechada na música sinfônica e desconsiderar isto è tratar da questão de um modo colonizado, remete à idéia de alta/baixa cultura, antigo e sem compreensão da própria riqueza.
Segunda: houve a oportunidade rara, prefeito e arquiteto puderam escolher o terreno a partir de um vôo de helicóptero, e sobre um terreno no encontro dos eixos principais de circulação previstos por Lucio Costa em seu plano urbanístico para a Barra da Tijuca,
Não nasceu, todavia, um elemento urbanístico capaz de resgatar a imagem do bairro, símbolo mais recente da especulação imobiliária. Ao contrário, o complexo de perde (e então se acha) entre os tantos aglomerados de condomínios blindados e shoppingcenters em estilo “nova Miami” que povoam a região.
Terceiro. A julgar pelas polêmicas – esperamos ser desmentidos – a gigantesca intervenção urbanística não parece ser capaz de reforçar as relações entre a cidade e a Barra da Tijuca, com poucas conexões fisicas e distantes em espírito e estilo de vida, ao ponto da Barra ter pretensões de autonomia.
A grandeza do projeto è uma metáfora do papel histórico de centro cultural do Rio de Janeiro, capital política do Brasil até 1960, quando foi inaugurada Brasília.
La grandeur carioca è filha daquela francesa. Não è por acaso que um arquiteto francês desenhe, no Rio de Janeiro como em Paris, um complexo dedicado à música. Sem entrar no mérito de quanto seja ultrapassado o conceito de parque temático dedicado `as artes, o que surpreende è a influência cultural que Paris exerce sobre o imaginário do Rio (a outra tentativa de grande equipamento cultural da cidade, uma filial do Museu Guggenheim, se deu com o também francês Jean Nouvel), e como os cariocas nutrem ainda um sentimento colonial de francofilia.
As raízes deste sentimento remontam à época imperial, ao século XIX, e as missões artísticas “civilizatórias” francesas, passando pelas reformas urbanas `a la Haussmann e o papel que teve Le Corbusier no brilhante modernismo de Lucio Costa e Oscar Niemeyer.
É a essa arquitetura que Portzamparc disse reverenciar em seu projeto. Mas se compararmos os resultados vemos a distancia da síntese e elegância dos mestres brasileiros, e percebemos que tal inspiração não passou da intenção
Roberto Galisai e Tuti Giorgi