What do you see?

Fernanda Lopes escreveu o texto abaixo para a exposição SU CASA que aconteceu aqui na Gitler &_, galeria do Eliot Avi meu vizinho de prédio aqui no Harlem.

raul_mourao_su_casa_1 raul_mourao_su_casa_2

raul_mourao_su_casa_3

What do you see?

In 1964, Frank Stella said of his paintings: “What you see is what you see.” The phrase exemplifies what is considered one of the principles of the minimalist movement. In Su Casa, Raul Mourão seems to revisit this statement, although not taking it as an affirmation but as a question: Is What you see what you see?

Over more than two decades of production, the work of Mourão has always been marked by a strong interest in the urban space, the public debate, the life that happens on the street, by chance, in any corner, at any time. In Su Casa that logic seems reversed, or reconfigured, taking into account other dimension of the space and, consequently, of perception. The exhibition bears some domestic scale, human. The space of the street shop transformed into an exhibition space is much closer to the living room of an ordinary house than the white cube of the art galleries and museums.

The show’s title also refers to the more intimate space of an artist: thestudio. The studio as an empty space, as a place of experience. Both Animal (2015) and Fenestra (2015) leave the process of its realization on display. Here the process is the artwork. The kinetic sculpture that occupies the center of the gallery is made of parts, modules. It is a piece that parts of a simple unitthat multiplied, combined and recombined by the artist reveals its complexity in different possible final structures.

Also in the paintings live seemingly conflicting principles. It was looking at a drawing, graphic, made in his studio – comprising repeated rectangles and lines formed by the spaces between them – that the artist recognized the image of a window on it. And from there he began to pay more attention to the windows of the world. This inverts the operation of almost all of Mourão’s production: It does not usually occur from the inside (the studio) to the outside (the world), but as something of the world, which is taken into the studio – as with theGrids series, which started with the artist’s perception of the security grills that began to occupy Rio de Janeiro in the 1980s. One of the symbols of the public safety policy failure in the city began to be used by the artist as work material. Here, in the windows of Raul Mourão, the minimalist grid composed of vertical and horizontal straight lines intersecting at orthogonal angles, which is the starting point of the work, loses its impartiality and accuracy to be built by hand. The same applies to the rectangles, the basic unit of these paintings: these geometric shapes, identical, repeated indefinitely, start to gain individuality due to worn ink, alignment errors, and other “accidents” that occur in the middle of the process. These changes produce a visual disturbance, a tension between what should be abstract and what implies a figure.

Su Casa is an exhibition about the doubt, about the endless possibilities of seeing (the world, the work); about the exercise of putting yourself or something in doubt, about opening up, at least in thoughts, to other possibilities. It is as if we walked by it wondering: “What if?”, “Are you sure?”. And that is the truly political nature of art: getting us out of our comfort zone, of our passivity and everyday certainty, and open up the possibility of seeing the world in a different way.

Fernanda Lopes

NY, October/2015

O que você vê?

Em 1964, Frank Stella afirmou sobre suas pinturas: “O que você vê é o que você vê.” A frase exemplifica o que é considerado um dos princípios do movimento minimalista. Em Su Casa, Raul Mourão parece revisitar essa declaração, mas tomando-a não como uma afirmação e sim como uma pergunta: O que você vê é o que você vê?

Ao longo de mais de duas décadas de produção, a obra de Mourão sempre foi marcada por um forte interesse pelo espaço urbano, pelo debate público, pela vida que acontece nas ruas, por acaso, em qualquer esquina, a qualquer hora. Em Su Casa essa lógica parece se inverter, ou se reconfigurar, levando em conta outra dimensão de espaço e, como consequência, de percepção. A exposição guarda certa escala doméstica, humana. O espaço da loja de rua transformado em espaço expositivo se aproxima muito mais da sala de uma casa comum do que do cubo branco das galerias de arte e museus.

O título da mostra também faz referência ao espaço mais íntimo de um artista: seu ateliê. O ateliê como espaço vazio, como lugar de experiência. Tanto Animal (2015) quanto Fenestra (2015) deixam o processo de sua realização à mostra. Aqui o processo é a obra. A escultura cinética que ocupa o centro da galeria é feita de peças, módulos. É um trabalho que parte de uma unidade simples que multiplicada, combinada e recombinada pelo artista revela sua complexidade em diferentes possibilidades de estrutura final.

Também nas pinturas convivem princípios aparentemente conflitantes. Foi olhando para um desenho, gráfico, que fez em seu ateliê – composto pela repetição de retângulos e linhas formadas pelos espaços entre eles -, que o artista reconheceu ali a imagem de uma janela. E a partir daí começou a prestar mais atenção nas janelas do mundo. Esse é o caminho inverso ao que opera quase toda a produção de Mourão. Ela não costuma se dar de dentro (do ateliê) para fora (no mundo) e sim com algo do mundo, que é levado para dentro do ateliê – como aconteceu com a série Grades, que partiu da percepção do artista sobre as grades de segurança que começaram a ocupar o Rio de Janeiro nos anos 1980. Um dos símbolos da falência da política de segurança pública na cidade começou a ser usado pelo artista como material de trabalho.

Aqui, nas janelas de Raul Mourão, a grade minimalista composta por linhas retas verticais e horizontais que se cruzam em ângulos ortogonais, que é ponto de partida do trabalho, perde sua impessoalidade e precisão ao ser construída à mão. O mesmo acontece com os retângulos, unidade básica dessas pinturas: essas formas geométricas, idênticas, repetidas indefinidamente, vão ganhando individualidade com o desgaste da tinta, os erros de alinhamento e outros “acidentes” que acontecem no meio do processo de realização do trabalho. Essas alterações produzem uma perturbação visual, uma tensão entre o que deveria ser abstrato e o que passa a insinuar uma figura.

Su Casa é uma exposição sobre a dúvida, sobre as infinitas possibilidades de ver (o mundo, a obra); sobre o exercício de (se) colocar em dúvida, de se abrir, pelo menos em pensamento, para outras possibilidades. É como se andássemos por ela nos perguntando a todo momento: “E se?”, “Tem certeza?”. E este é o caráter verdadeiramente político da arte: nos tirar de nossa zona de conforto, de nossa passividade e certeza cotidianas, e nos abrir a possibilidade de ver o mundo de uma maneira diferente.

Fernanda Lopes é crítica de arte e curadora, doutoranda em História e Crítica de Arte na EBA|UFRJ. Autora dos livros Área Experimental – área experimental lugar espaço dimensão (Bolsa de Estímulo à Produção Crítica – Minc/Funarte, 2012) e A Experiência Rex: Éramos o time do Rei (Prêmio de Artes Plásticas Marcantonio Vilaça – FUNARTE, 2009). Atualmente vive e trabalha em Nova York.

Comments are closed.