HOMEM-MÁQUINA
Entrevista com LUIZ ALBERTO OLIVEIRA que eu achei lá no site Salton Courses.
A tecnociência avança para a hibridização de homens e máquinas?
O tema é abordado por Luiz Alberto Oliveira, físico, doutor em Cosmologia, pesquisador do Laboratório de Cosmologia e Física Experimental de Altas Energias (Lafex) do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF/MC, onde também atua como professor de História e Filosofia da Ciência. Ele concedeu entrevista à ComCiência abordando algumas consequências da internalização das novas tecnologias no cotidiano das pessoas.
ComCiência – Em algumas palestras o senhor abordou os seres vivos como biontes, bióides e borgues. O que são esses conceitos? Eles se relacionam com períodos, tecnologias e saberes específicos?
Oliveira – A observação decisiva é que progressivamente, e cada vez mais, diluem-se as distinções clássicas entre matéria, vida e pensamento. Anteriormente se poderia dizer que a tecnologia era uma ferramenta para o espírito, residente na dimensão interna da subjetividade, agir sobre a natureza que lhe é exterior. Hoje, devido à capacidade recentemente adquirida de intervir nas escalas infinitesimais de comprimentos e durações que são próprias ao domínio da microfísica, ocorre uma internalização da ação técnica, como se a tecnologia se rebatesse sobre seu agente, como se o espírito se dobrasse sobre si mesmo e se auto-afetasse. Considere-se o que o filósofo Daniel Dennett denominou ‘a perigosa idéia de Darwin’: em períodos de duração suficientemente longa, minúsculas diferenças entre indivíduos de mesma espécie, selecionadas pelas pressões aleatórias do meio, podem conduzir à especiação, a ramificação em novas espécies. Este lento processo de acumulação foi o procedimento pelo qual a evolução escreveu e reescreveu, ao longo das eras, as séries de instruções que presidem a constituição dos biontes, os seres vivos desenhados pela seleção natural. Mas nos anos 50, o biofísico Francis Henry Crick e o bioquímico James Watson determinaram o suporte bioquímico do “manual de operações” – o genoma – que todo ser vivo portaria no interior de suas células e que contém os organogramas e fluxogramas que gerenciam o desenvolvimento dos organismos de cada espécie. A biologia teria assim, como substrato, a ciência do material genético dos organismos ou genômica. Entretanto, como é característico da tecnociência atual, esses avanços no conhecimento sobre as fundações da genômica foram de imediato acompanhados pela geração de aplicações práticas – as biotécnicas. Assim, rapidamente, a tessitura fundamental da própria vida tornou-se suscetível a intervenções técnicas: já nos anos 60, surgiram as primeiras associações entre genes particulares e características morfológicas (ou comportamentais); nos 70, deu-se o começo da capacidade de intervenção programada em processos genéticos; nos 80, tornaram-se corriqueiros a inclusão, exclusão e substituição de genes precisos, bem como a mescla interespécies; nos 90, é produzido o primeiro bióide (ser vivo com desenho artificial) mamífero: Dolly. A perspectiva que se abre é a da hibridação radical: em cinqüenta anos, estima Freeman Dyson, teremos a plena fusão interespécies, ou a gênese de espécies inteiramente novas. Ora, de um ponto de vista estritamente microfísico, não há diferença entre moléculas biológicas e inorgânicas, naturais ou artificiais. À medida que aumenta o poder de manipular objetos em escala molecular, a tendência seria ocorrer uma integração crescente entre componentes orgânicos, gerados biologicamente, e componentes eletrônicos, fabricados artificialmente. Sínteses de carbono e de silício: essa fusão se daria por uma real mescla de formas, pela interpenetração entre componentes orgânicos e semi-condutores; a perspectiva então é a de que nosso devir seja nos tornarmos borgues, híbridos de células e chips. Recordemos um feito espantoso: o cérebro do peixe lampreia foi conectado a sensores sensíveis à luz e também aos controles de movimento de um pequeno robô. Com o cérebro da lampreia funcionando como central de processamento, o robô passou a agir como a lampreia agiria, evitando as zonas iluminadas e buscando as escuras. Esta conexão é ainda muito rudimentar, pois se trata de neurônios inteiros postos em contato com condutores metálicos, mas brevemente será possível penetrar em um nível subneuronal, associando subestruturas dos neurônios a componentes eletrônicos. Nesse momento, que não estaria longe, veremos o nascimento de autênticos híbridos biotrônicos, veremos o nascimento de centauros cognitivos, e esses centauros seremos nós.
segue aqui.